Por Filipe Paiva Cardoso, in iOnline
Ao início a troika prometia um crescimento acumulado de 4,1% de 2012 a 2015. A austeridade matou essa miragem mas vai continuar: mais 5,5 mil milhões até 2015
O programa de ajustamento em que Portugal caiu em meados de 2011 veio embrulhado num cenário idílico sobre a evolução da economia portuguesa, pelo menos no conjunto de previsões feitas então pela Comissão Europeia, que ao final de dois anos são já impossíveis de atingir.
Segundo o plano inicial do programa, Portugal deveria chegar ao final do prazo do programa com um défice não superior a 2,3%, uma dívida abaixo dos 108% e um ano e meio de crescimento em cima - 1,2% em 2013 e 2,5% em 2014 -, o que faria com que a economia voltasse a depender dos mercados na mó de cima.
Agora, com as previsões da Comissão Europeia ontem divulgadas, é cada vez mais evidente que Portugal vai perder a almofada da troika e regressar aos mercados numa condição deplorável face ao prometido inicialmente: se no Verão de 2011 as previsões apontavam para um crescimento acumulado de 1,9% até 2014 - contracção de 1,8% em 2012 seguida de crescimento de 1,2% e de 2,5% em 2013 e 2014 -, agora o PIB quando Portugal sair do ajustamento acumula uma contracção de 4,2%, valor também longe do que era previsto por Bruxelas ainda há um ano.
Comparações idênticas são possíveis com as restantes previsões feitas pela troika e que justificavam o regresso de Portugal aos mercados em 2014: a dívida seria de 107,6% no ano do regresso mas vai ser de 126,7%; o desemprego rondaria os 11,6% mas vai rondar os 17,7%; o défice orçamental já estaria nos 2,3% mas afinal está nos 4%, etc. E ao ritmo a que as previsões vão sendo revistas, também a carga de austeridade imposta aos portugueses tem sido aumentada, ainda que de forma menos clara que as previsões feitas recorrentemente. Só a data de regresso aos mercados permanece igual.
MAIS CORTES E ELEITORALISMO
Segundo os números da Comissão Europeia ontem avançados, Portugal ainda tem muita austeridade pela frente, apesar das promessas do governo de baixar impostos no ano de eleições.
É que além dos 3,9 mil milhões de euros que o governo espera angariar no próximo ano com as novas rondas de austeridade, Bruxelas calcula que mais 1,6 mil milhões devam ser necessários em 2015 - isto somado a todas as outras rondas de austeridade já postas em prática desde o início de ajustamento e mesmo antes. "As projecções orçamentais para 2014 pressupõem medidas de consolidação orçamental de cerca de 2,3% do PIB, a maioria de redução permanente de despesa", aponta Bruxelas no capítulo dedicado a Portugal. De salientar a referência à "redução permanente de despesa", já que no OE2014 a maioria dos cortes são nos salários da função pública, que são transitórios, segundo garantiu Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças, na apresentação daquele documento.
Já para o ano de 2015, avança a mesma CE, "a previsão é suportada por medidas avaliadas num pouco mais de 1% do PIB". Traduzindo, tal significa que não há margem para qualquer redução da carga fiscal - pelo menos do ponto de vista da troika. Até porque, alerta a Comissão, caso o governo opte agora por tomar medidas eleitoralistas, estas terão que ser compensadas com novos pacotes de austeridade - seja no próprio ano das eleições, seja posteriormente.
Também o hábito do governo de avançar com medidas violadoras da Constituição é referido por Bruxelas: "Os riscos negativos na frente orçamental são fundamentalmente de natureza jurídica, uma vez que algumas medidas do Orçamento de 2014 serão escrutinadas pelo Tribunal Constitucional."
Assim, pede a Comissão Europeia, o governo deverá ter já na gaveta um plano B para compensar o risco constitucional das suas medidas.