Por António Ribeiro Ferreira, in iOnline
A iluminação irlandesa é uma miragem e conta o "Financial Times" que a troika já não acredita no milagre português
"Que o exemplo da Irlanda nos possa iluminar em Portugal. A nossa situação é mais difícil que na Irlanda, mas se não existirem más notícias, é possível que os esforços" dos portugueses "não tenham sido em vão", A frase é de Miguel Frasquilho ontem no parlamento no arranque da votação na especialidade do Orçamento do Estado de 2014. Mas a luz irlandesa está hoje como ontem cada vez mais ténue e para muitos, cá dentro e lá fora, é mesmo uma miragem. A decisão de Dublin de recusar um programa cautelar no fim do resgate foi um balde de água fria para Portugal. O próprio Marques Guedes, ministro da Presidência, reconheceu que o país ficou sem uma referência do que poderá fazer em Junho. Mas o sonho de um programa cautelar, que Dublin recusou por não ter obtido respostas concretas do Eurogrupo do que seria um programa cautelar e temer que o sucesso da Irlanda se transformasse lá para Dezembro num drama europeu, está cada vez mais afastado de Lisboa. Resta um segundo resgate, entre 30 a 50 mil milhões de euros, doloroso como tem sido o primeiro ou ainda mais violento para a vida dos portugueses. E com a Irlanda fora do radar e a Grécia a viver a tragédia do costume, pese embora o optimismo grego para 2014 (ver peça ao lado), o "Financial Times" ataca o assunto com um artigo titulado "Portugal à beira de um segundo resgate?". Diz o jornal britânico que vários responsáveis de topo das instituições internacionais duvidam que uma linha de apoio possa ser suficiente para Portugal sair do resgate de uma forma suave e que o país consiga escapar a um segundo resgate internacional.
As razões do costume Eventuais chumbos do Tribunal Constitucional, elevadas reembolsos de dívida nos próximos anos e juros em "níveis dolorosos" praticados em mercado secundário são algumas das razões apontadas por fontes dos credores para sustentar as dúvidas quanto à necessidade de um segundo resgate. O "Financial Times" lembra que há 1,4 mil milhões de euros, "cerca de um terço das medidas orçamentais planeadas para o próximo ano", à mercê de decisões desfavoráveis do Tribunal Constitucional, recordando ao mesmo tempo que outros chumbos no passado quase originaram a queda do governo de Passos Coelho. A contagem decrescente para uma decisão final quanto aos planos pós-troika começa já na próxima semana, quando o parlamento votar o Orçamento do Estado para o próximo ano, acrescenta o diário económico britânico.
"Se Portugal aceitar uma linha de crédito da União europeia, é expectável que a versão pedida inclua difíceis medidas de austeridade semelhantes às do actual resgate", adianta o jornal.
53 mil milhões de euros Tendo em conta as projecções feitas pelos organismos oficiais, as necessidades de financiamento que Portugal terá de assegurar entre o início do próximo ano e o final de 2017, de acordo com as contas feitas pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), 53 100 milhões de euros. Este valor pode ser uma referência para se perceber qual a dimensão que um segundo pacote de empréstimos da troika a Portugal poderia vir a ter.
Segundo uma apresentação feita pelo IGCP a investidores em Setembro, Portugal precisa de, logo em 2014, assegurar um financiamento adicional de 8200 milhões. Este valor serve para complementar os 8000 milhões que serão ainda entregues pela troika nas últimas tranches do actual programa e os 4700 milhões de excedentes de tesouraria com que o Tesouro português deverá contar no início do próximo ano. À partida, num cenário de regresso aos mercados, este financiamento adicional seria garantido através de emissões de títulos de dívida pública, podendo cerca de metade dos 8200 milhões ser assegurada pelo aumento da exposição do fundo de estabilização financeira da Segurança Social à dívida pública.
Mas se Portugal não regressar aos mercados e o segundo resgate for activado, estes 8200 milhões já terão de ser assegurados por novos empréstimos da troika. Em 2015, este valor sobe para 18 600 milhões, sendo de 14 200 milhões em 2016 e 12 100 milhões em 2017. No total, são 53 100 milhões durante os próximos três anos, um prazo provável para um eventual novo programa de resgate.