13.11.13

Natalidade. Crise e pressões sociais tiram a portugueses a vontade de ser pais

Por Rosa Ramos, in iOnline

Este ano o número de nascimentos em Portugal vai voltar a bater mínimos históricos: em 2013 deverão nascer menos de 80 mil crianças. A crise económica é o principal factor que explica a resistência dos casais a ter filhos. Mas há outros: cada vez mais, o r

No ano passado nasceram em Portugal menos de 90 mil crianças - o número mais baixo de sempre - e em 2013 os nascimentos devem voltar a bater mínimos históricos. A estimativa é da Associação Portuguesa de Demografia (APD), que acredita que até ao final de Dezembro poderão ter nascido nas maternidades portuguesas apenas 80 mil crianças. A previsão baseia-se nos números do primeiro semestre deste ano, em que se assistiu a uma quebra de 12% nos nascimentos comparativamente com o ano passado.

A presidente da APD, Maria Filomena Mendes, sublinha que a diminuição é maior que a verificada nos últimos anos. E se há uma década se atribuía a queda nos nascimentos a factores culturais, agora os especialistas não têm dúvidas de que por detrás do recuo na natalidade está a crise económica. Nos últimos dois anos, Portugal viu a emigração aumentar e perdeu população imigrante - que ajudava a equilibrar o saldo natural. Além disso, a falta de confiança das famílias na economia conduz ao adiamento da decisão de ter filhos.

Partindo das estatísticas demográficas, um grupo de investigadores juntou-se para perceber por que razão os portugueses já não querem ser pais. As conclusões só deverão ser conhecidas no próximo ano, mas Vanessa Cunha, coordenadora do projecto, avança ao i algumas explicações - baseadas num conjunto de entrevistas feitas a casais. Razões económicas conjugadas com a diminuição de apoios públicos e a mudança de expectativas em relação à infância e à educação fazem com que muitos portugueses adiem a decisão. "E mesmo quem já tem um filho opta por adiar o nascimento de um segundo", explica a socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa.

A grande mudança no padrão da natalidade deu-se quando ter um filho deixou de ser uma inevitabilidade e passou a ser uma decisão. Para isso contribuiu largamente, recorda Vanessa Cunha, a generalização da contracepção hormonal - que surgiu na década de 1970. Com a pílula, as famílias passaram a conseguir determinar mais eficazmente o número de filhos, mas por cá a mudança foi lenta. Na década de 1990, o ICS fez o primeiro grande inquérito às famílias portuguesas, que concluía que ainda existiam muitas, sobretudo com nível de escolaridade mais baixo, que ainda tinham dificuldade no controlo.

O emprego e o dinheiro A partir do momento em que ter filhos se tornou uma decisão, os casais passaram a ponderar o passo, considerando vários factores. Desde logo, os relacionados com a estabilidade económica, a situação profissional - muitas vezes instável e precária - e o desemprego. "Vivem-se tempos de incerteza profissional e económica. As famílias sentem na pele os custos que uma criança acarreta", explica Vanessa Cunha.

Depois há a conciliação da vida familiar com a profissional: "Hoje existe uma dificuldade maior em organizar a vida familiar e os trabalhos são exigentes do ponto de vista de horários e deslocações." Perante isto, os casais não sabem como fariam para tomar conta de uma criança. Aqui o paradigma alterou-se com a entrada em massa das mulheres no mercado de trabalho e, mais recentemente, com fenómenos migratórios internos - que desestruturaram famílias. Hoje a mobilidade geográfica é maior e as pessoas deixam mais facilmente os locais de origem e as famílias para procurar trabalho. "Deixou de existir suporte familiar e os avós não podem ajudar na educação dos netos", refere a socióloga. A este factor junta-se outro: muitos avós são agora obrigados a trabalhar até mais tarde.

A diminuição de apoios públicos - da redução de benefícios fiscais ao corte nos abonos de família - também contribui para que nasçam menos crianças. "Tem existido uma mensagem quase antinatalista", resume a investigadora. Por outro lado, alterou-se a ideia do que deve ser a vida familiar: constituir família implica independência financeira em relação ao agregado de origem. "Há todo um ideal de vida construído à volta da ideia de que para ter um filho é preciso casa própria, estabilidade conjugal, pessoal, emocional e económica."

"Não estou preparado" As próprias expectativas que a sociedade tem em relação à parentalidade mudaram. Se há uns anos ser pai ou mãe era um papel natural e desempenhado por imitação, agora há uma consciência generalizada de que tem de ser assumido de forma responsável. Homens e mulheres dizem com frequência não estar preparados para dar o passo. "Há um novo paradigma da infância. Ser pai implica ter capacidade para dar boas condições de vida, de saúde, de educação ou actividades extracurriculares às crianças", exemplifica Vanessa Cunha. Perante tanta responsabilidade, muitos casais receiam não estar à altura. Além disso, os relacionamentos são mais instáveis e os casamentos já não são para toda a vida. "Muitos casais estão juntos, mas admitem não saber se querem dar o passo com a pessoa com quem estão", diz a socióloga.


A natalidade em números

Este ano Entre Janeiro e Julho deste ano, a natalidade caiu 12% em relação a 2012 – o ano em que o número de nascimentos foi o mais baixo de sempre. No primeiro semestre deste ano registou-se uma diminuição de 3968 nascimentos. Num espaço de seis meses nasceram 39 913 crianças nas maternidades portuguesas. Segundo o INE,
o mês em que nasceram mais bebés foi Janeiro (7248),
enquanto o mês com menos nascimentos foi Fevereiro (6101).

Por regiões No ano passado, as regiões com maior taxa de natalidade foram os Açores, o Algarve, Lisboa, Setúbal e o Cávado. Já as zonas que apresentam menos nascimentos são o Pinhal Interior Sul, a serra da Estrela e Trás-os-Montes.

Primeiro filho Entre 1960 e 2012 verificou-se um aumento da idade média das mulheres aquando do primeiro filho. Em 1960, a média rondava os 25 anos. Agora está nos 29,5.