Por Kátia Catulo, in iOnline
Limites da lei e das finanças desiludem os directores das escolas que assinaram os contratos com o Ministério da Educação
Até ao fim do ano haverá 209 escolas ou agrupamentos da rede pública com novo estatuto. As direcções escolares comprometem-se a atingir metas para melhorar os resultados dos alunos e, como contrapartida, ganham liberdade para decidir sem pedir licença a ninguém. Este é o acordo com o Ministério da Educação. O que vai ser diferente com as escolas que assinaram agora o contrato de autonomia e o que mudou nas primeiras que assumiram esse compromisso em 2007 foi a pergunta que o i fez a cinco directores. "Quase nada", responde Nuno Mantas, das escolas da Boa Água, em Sesimbra, com contrato assinado em Outubro. "Tem sido uma desilusão", acrescenta José Alberto Ramos, director da Secundária João Gonçalves Zarco, em Matosinhos, que há seis anos tem o acordo com a tutela.
O que falta então às escolas para gozar de plena autonomia? "Sempre que quisemos fazer diferente, acabámos por esbarrar na legislação ou nas limitações financeiras", explica José Henrique Lima, da Secundária Eça de Queirós. Ter currículos alternativos ou mais recursos seriam as novas regalias destes estabelecimentos de ensino, mas o director adjunto da escola da Póvoa do Varzim avisa que o que está escrito no papel não é "obrigatoriamente" o que acontece na prática: "Podemos ter, por exemplo novas disciplinas, mas se isso implicar um aumento da carga lectiva dos alunos, ficamos legalmente impossibilitados de tomar essa decisão."
Legislação ou encargos para o Estado são dois dos principais obstáculos à autonomia, alertam os directores. É o exemplo do curso profissional de design de moda que a secundária Eça de Queirós não teve autorização para abrir este ano lectivo: "Tínhamos 80 candidatos, professores e instalações, mas teríamos de fazer algum investimento em actualizações de equipamentos e foi isso que fez a tutela rejeitar a proposta."
Perder a cada ronda Nuno Mantas também está convencido que o novo estatuto não vai fazer muita diferença. A negociação entre o ministério e o agrupamento Boa Água, aliás, teve várias etapas. Começou em Junho e acabou em Outubro. No fim de cada ronda, o director diz que perdeu mais um pouco da sua autonomia. "Pedimos à tutela duas horas lectivas por semana para diversificar a oferta curricular no 3.º ciclo com opções viradas para as matemáticas, artes ou humanidades." Ficaram com uma hora. "Queríamos seleccionar os nossos professores." A tutela disse que sim, desde que se restrinjam só aos contratados. "Pedimos um psicólogo." E ganharam "meio psicólogo", uma vez que o técnico não vai trabalhar a tempo inteiro nas escolas de Sesimbra.
E até as grandes vantagens que as primeiras escolas com autonomia pensaram vir a ter ao passarem a escolher os seus próprios professores transformaram-se grandes desvantagens, conta o director da Secundária Gonçalves Zarco: "A nossa escola pode contratar, mas só depois do concurso nacional quando a maioria dos professores já estão colocados nas outras escolas", critica José Alberto Ramos. Além de verem as suas possibilidades de escolha limitadas, o director da escola de Matosinhos explica que, como têm de recrutar professores depois de todas as outras, nunca conseguiram nos últimos seis anos começar as aulas com todos os docentes colocados: "O que à partida parecia um privilégio transformou-se numa perversidade para a autonomia das escolas."
Perder a cada contrato Limitações legais é queixa que também se repete nesta escola. Basta lembrar - avisa José Alberto Ramos - que para organizar turmas com menos alunos do que o legalmente estipulado, só com autorização da tutela, "mas isso é o que todas escolas têm de fazer". Desde 2007 que o director da secundária de Matosinhos diz que vê a sua autonomia a encolher. Se antes tinham margem para gerir as verbas poupadas nas despesas de funcionamento, esse prémio de gestão foi retirado na renovação do contrato e todas as receitas próprias têm agora de ser entregues ao ministério.
Ainda assim, defende o director do agrupamento de escolas Ferreira de Castro, a autonomia vai permitir uma maior flexibilidade para gerir horários, métodos ou estratégias de avaliação. "Desde que isso não implique ultrapassar as balizas da lei", esclarece António Castel-Branco. São algumas vantagens que, contudo, não chegam para provocar "grandes mudanças" nas rotinas das escolas de Sintra.
Vantagens extra "O quotidiano não se vai alterar muito, teremos uma maior autonomia para gerir por exemplo o currículo, mas a margem de liberdade não é muito grande", conta Maria Gabriela Silva, do agrupamento Filipa de Lencastre, em Lisboa. Se no final deste processo, há mais lamúrias do que motivos para festejar resta perceber então porque é que as direcções escolares aceitaram o desafio que o ministério lançou no início deste Verão. A maior fatia dos pedidos ficou pelo caminho, mas entre uma ronda negocial e outra, os directores dizem que acabaram por conquistar mais alguns recursos e vantagens extra do que as outras escolas.
O agrupamento Filipa de Lencastre ganhou um psicólogo a tempo inteiro, o que para a directora foi uma conquista histórica: "No ano passado tínhamos um a meio tempo para 1500 alunos e nos anos anteriores nenhum." As escolas vão finalmente poder contar com um técnico para fazer orientação vocacional dos alunos e para trabalhar com a equipa de ensino especial. O acordo vai permitir ainda contratar um professor que irá entrar nas salas do 2.º ciclo, acompanhar alunos, articular estratégias com professores ou fazer propostas para melhorar o ensino.
Uma assistente social para acompanhar sobretudo alunos e famílias carenciadas foi a principal vantagem que a Secundária Eça de Queirós teve com os dois contratos de autonomia assinados em 2007 e 2012. Ou uma terapeuta da fala para a integrar a equipa de ensino especial e um professor de português para apoiar os alunos imigrantes foram os prémios para as escolas Ferreira de Castro, em Sintra.