11.4.14

Seis em cada dez pessoas admitem que não teriam uma relação com alguém com VIH

Romana Borja-Santos, in Púbico on-line

Estudo 30 Anos, 30 Mitos do VIH/sida mostra que muitos inquiridos ainda têm ideias erradas sobre esta doença, o que alimenta estigmas.

Da ideia de que o vírus da imunodeficiência humana (VIH) é transmitido através de beijos e picadas de mosquitos, à percepção de que as pessoas infectadas só devem começar a ser tratadas quando têm sintomas, são vários os mitos sobre esta doença que ainda persistem entre os portugueses. Falsos conceitos que acabam por se traduzir no dia-a-dia dos doentes: quase 60% das pessoas admitem que se importariam de ter uma relação afectiva com uma pessoa com VIH, segundo as conclusões do estudo 30 Anos, 30 Mitos do VIH/SIDA, que será apresentado nesta sexta-feira, em Lisboa, durante uma conferência sobre o mesmo tema.

Numa altura em que passaram três décadas desde que o primeiro caso de VIH/sida foi identificado em Portugal, este trabalho, que teve como base inquéritos telefónicos feitos a 600 portugueses no final do ano passado, mostra que ainda há muito para fazer. Realizado pela empresa GfK Metris, em parceria com a farmacêutica Gilead Sciences, e com o apoio das organizações não-governamentais GAT, Positivo e Ser +, o estudo indica que 50% dos inquiridos acreditam que ser picado por um insecto que picou alguém infectado é uma forma de transmissão da doença – o que é falso, visto que o vírus não sobrevive fora do corpo humano.

“As formas de transmissão foram das primeiras coisas estudadas e das que receberam mais atenção, pelo que ter este tipo de mitos tão generalizados é chocante”, resume Pedro Silvério Marques, do Centro Anti Discriminação VIH/sida e da Associação Ser +, que representa as ONG parceiras do trabalho. O problema, diz, é que se há algumas ideias falsas que não têm implicação prática – como apontar-se que o VIH é a segunda doença mais grave, logo depois do cancro –, outras contribuem para alimentar o estigma que acompanha a doença. Por exemplo, mais de 20% dos inquiridos acreditam que o vírus pode ser transmitido através de beijos ou em piscinas, casas de banho e transportes. Ainda sobre este ponto, Silvério Marques diz que há diferenças entre os inquiridos, com as pessoas entre os 25 e os 45 anos e com escolaridade superior a reportarem em geral informação mais correcta.

Desinvestimento na prevenção
Pedro Silvério Marques, que tem agora 67 anos e que soube há 27 anos que era portador de VIH, salienta que estas noções erradas têm “impacto no diagnóstico e na adesão ao tratamento”, por as pessoas preferirem não saber que têm a doença ou por não terem depois uma motivação para seguir o tratamento, e “mostram o preocupante desinvestimento na prevenção”. Os últimos dados indicam que, em 2013, foram feitas 1087 notificações de novos casos de infecção por VIH/sida, uma diminuição de 448 casos face ao ano anterior. O número de diagnósticos tardios tem baixado mas em 2012, último ano com dados fechados, Portugal ainda era o terceiro país europeu com maior taxa de novos casos de sida. Ao todo, mais de 42 mil pessoas vivem com esta doença que ataca o sistema imunitário do portador do vírus.

A propósito do facto de 58% dos inquiridos admitirem que se importavam de ter uma relação afectiva com uma pessoa com VIH, o activista diz que este comportamento “tem reflexo no isolamento social e no equilíbrio psicológico” dos doentes, fazendo com que adiem a procura do diagnóstico e com que, posteriormente, não tomem correctamente a medicação. De acordo com um outro estudo que o próprio Centro Anti Discriminação conduziu, em 2013, junto de 1000 portadores do vírus, recorda Silvério Marques, 60% das pessoas não tinham nenhum parceiro. Mas, mesmo perante a “discriminação”, defende que o tema deve ser abordado logo de início com os novos companheiros. “É uma situação difícil de gerir mas a comunicação com o parceiro deve ser abordada o mais rapidamente possível”, insiste.

Quanto às restantes pessoas, admite que a posição já não é a mesma, recomendando-se que os doentes escolham bem com quem desabafam e que saibam que não são obrigados a revelar nada à entidade empregadora ou a submeterem-se a análises (outro dos mitos comuns). “Em mais de metade dos casos [do nosso estudo de 2013] reportaram reacções de violência verbal, 12% das pessoas reportaram que foram excluídas das actividades familiares e 18% foram agredidas fisicamente.” Já no presente estudo, 94% das pessoas dizem que contariam à família se tivessem a doença e 70% aos amigos. Números que Silvério Marques avisa que seriam “muito mais baixos” se a pergunta fosse no momento real.

Quando fazer o teste?
Por outro lado, sobre as perguntas relacionadas com o diagnóstico, sublinha que o facto de 87% das pessoas responderem que o teste deve ser feito logo após a exposição ao risco coloca os próprios numa situação preocupante. “Perante uma exposição a um suposto risco a pessoa deve encaminhar-se logo para umas urgências hospitalares para no prazo de 24 a 48 horas receber, se necessário, um tratamento que impede que o vírus se aloje no organismo. Se não for neste prazo o teste e confirmação só ao fim de seis semanas são conclusivos, pelo que alguém que o faça ao fim de duas semanas não pode ficar descansado”, explica, aconselhando ainda testes de rotina a todos.

Já o facto de 21% das pessoas acreditarem que a esperança média de vida não ultrapassa os dez anos e de 37% dizerem que estar infectado é o mesmo que um diagnóstico de morte prematura não preocupa Silvério Marques, que espera que esse medo seja canalizado para a prevenção. “A esperança de vida cresceu muito mas não deixa de ser uma doença com implicações”, reforça.

Outra preocupação incide sim no facto de muitos inquiridos ainda acreditarem que o VIH dá logo sintomas que se podem identificar visualmente ou que atinge só grupos específicos como toxicodependentes, prostitutas e homossexuais. Silvério Marques lembra que isto acontece quando, na realidade, mais de 60% do contágio acontece entre heterossexuais e que há, por exemplo, cada vez mais mulheres com a doença, apesar de os inquiridos não terem revelado esta percepção de vulnerabilidade do sexo feminino. “Não adianta de nada dizer que droga é igual a sida que é igual a morte. Isso não resolve o problema. Defendo que mais do que grupos de risco, o importante é divulgar comportamentos de risco, como as relações sexuais desprotegidas, e apostar na educação sexual”, reforça.