Joana Nunes Mateus, in Expresso
Mesmo os portugueses com rendimentos acima da linha da pobreza estão entre os europeus que mais se queixam da água que entra pelo teto, das paredes húmidas, da falta de luz ou do ruído vindo da rua e dos vizinhosSó no Chipre, um país 12 vezes mais pequeno do que Portugal, há maior percentagem de pessoas a queixarem-se dos telhados e tetos que deixam entrar água, da humidade das paredes, dos soalhos e das fundações ou do apodrecimento dos caixilhos das janelas e dos soalhos...
E o problema não é apanágio da população mais pobre. Mais de um quinto da população portuguesa que vive acima do limiar de pobreza também sofre com estas infiltrações nas suas casas.
Quem o diz é o Eurostat que atualizou a semana passada as estatísticas sobre o rendimento e as condições de vida nos 27 Estados-membros da União Europeia em 2019.
COMO VIVE A CLASSE MÉDIA?
Para comparar a qualidade do parque habitacional da classe média portuguesa com o padrão europeu, o Expresso separou as respostas a este grande inquérito anual em dois grupos: quem vive abaixo do limiar de pobreza e quem vive acima deste valor, que varia de país para país, e que supera atualmente os seis mil euros anuais por “adulto equivalente” em Portugal.
Veja-se os rankings apurados para o edificado habitado pela população sem risco de pobreza (ver pág. seguinte). O país não escapa à cauda da Europa mesmo quando se excluem da comparação as casas da população mais pobre.
De facto, Portugal surge no segundo pior lugar da UE-27 no que toca às queixas de água a entrar pelos telhados, tetos, paredes, janelas, soalhos ou fundações das casas. Pior edificado só no Chipre. O problema atinge mais de um quinto (21,8%) dos portugueses sem risco de pobreza quando a média europeia se fica pelos 11,2%. Por outras palavras, as infiltrações parecem ser duas vezes mais frequentes nas casas da classe média portuguesa.
Apesar de viverem num dos mais soalheiros países da UE-27, os portugueses estão no pódio quanto à falta de luminosidade das suas residências. A classe média queixa-se de ter casas demasiado escuras, mas sofre sobretudo do barulho. O ruído dos vizinhos ou vindo da rua (do trânsito, do comércio, fábricas, entre outros) é motivo de queixa para 22,7% dos portugueses que vivem acima do limiar de pobreza, quando a média europeia é 16,7%.
Em piores condições estão as casas da população mais pobre. Os resultados do inquérito europeu a quem vive abaixo do limiar de pobreza colocam Portugal como terceiro país da UE-27 onde mais se sofre da água a entrar pelas casas (36,5%) e da falta de luminosidade das habitações (12,3%) e como sétimo país onde mais se reclama do barulho dos vizinhos ou do exterior (22,8%).
PROBLEMA É A DEGRADAÇÃO
“Este é um problema associado às carências do nosso edificado e não à qualidade da construção portuguesa, a qual é amplamente reconhecida. As casas portuguesas são bem construídas. A questão coloca-se, sobretudo, ao nível do edificado existente”, responde o engenheiro Manuel Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN).
AICCOPN diz que as casas portuguesas são bem construídas. Existem é mais de um milhão de edifícios a necessitarem de obras no país
Reis Campos recorda que, no estudo elaborado com a colaboração da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, se identificou a degradação como uma dos cinco principais fatores de carência habitacional, a par da sobrelotação, inexistência de infraestruturas básicas, acessibilidades ou carências energéticas.
“Veja-se que estamos a falar de, por exemplo, 560 mil habitações sem aquecimento disponível, 450 mil habitações sobrelotadas ou um milhão e 24 mil de edifícios a necessitarem de obras. É este o universo de referência quando falamos de problemas como os que menciona”, responde ao Expresso.
O presidente da AICCOPN considera que a evolução verificada nos últimos anos no domínio da reabilitação urbana, sobretudo nos centros das principais cidades, foi muito significativa. “Porém, continua a existir um grande diferencial entre o nosso país e a Europa.” É precisamente por isso que o Plano de Recuperação e Resiliência para 2021-2026 coloca a habitação entre os seus principais vetores de atuação com medidas como um programa para alojar 26 mil famílias que não têm acesso a habitação condigna”, conclui a AICCOPN.