Amadeu Araújo, in Expresso
Reabilitação, posse administrativa ou mesmo a expropriação poderão ser soluções a explorarVazias, desocupadas, sem moradores. Novas, degradadas, devolutas. São 730 mil habitações num número inventariado pela Federação Europeia das Organizações Nacionais que Trabalham com Sem-Abrigo (Feantsa), confirmado por dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e avalizado por investigadores e ativistas da habitação.
No “Questionário sobre habitação social”, a OCDE afirma que existem 14% de moradias vagas em Portugal, sem utilização, com ligeira diferença nas áreas urbanas, face às rurais. Cruzada a informação com os números da Pordata, que apontam para a existência de 3.991.112 habitações no país, os números ganham mais realismo, sendo que Portugal é dos países da OCDE com maior número de casas por mil habitantes, 580. Para Luís Mendes, investigador do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, existem entre 730 e 750 mil casas vazias. “É difícil ter uma estimativa categórica, mas é um número que tem aumentado nas últimas décadas, devido a um mercado muito vocacionado para a construção nova que acarreta um acréscimo de alojamentos vagos, casas de segunda residência ou desocupadas”, afirma.
Tiago Mota Saraiva, arquiteto e ativista em questões de habitação, reconhece a existência de um elevado número de casas vazias, fechadas e a degradar-se. “Ainda é difícil perceber se a pandemia fez aumentar o abandono, mas alguns urbanistas já constatam processos sucessivos de compras e vendas de habitação sem que se lhes conheça ocupação”, diz.
DESOCUPADAS PARA ESPECULAÇÃO
O arquiteto critica a compra de habitações que se mantêm desocupadas. “A pandemia terminará e dará origem a um processo inflacionário. Com isso muitas empresas rentabilizarão os imóveis comprados e que permanecem devolutos”, acrescenta. Como exemplo dá o caso da seguradora Fidelidade, “com casas em todo o país e em que foram conhecidos despejos numa lista de imóveis vendida a fundos imobiliários, sem que estejam habitados”. Para o ativista Lisboa e Porto, mas também Algarve, Évora e capitais de distrito, é onde existe o maior número de casas devolutas.
Para Luís Mendes, o fenómeno ocorre em todo o território nacional, devido a um contínuo desajustamento entre oferta e procura.
Há também casos de abandono, motivados por heranças indivisas, cadastro inexistente ou dono desconhecido, ou total desinteresse pelo proprietário, acrescenta. Neste casos, o investigador sugere “a tomada de posse administrativa ou mesmo expropriação por parte do Estado”.
Vasco Brazão, dirigente da Associação Rés-do-chão das Lutas, que tem estado a promover “um levantamento das casas abandonadas por concelho — que não existe” —, elenca “um número significativo de habitações fechadas, públicas e privadas, que poderiam acolher as 30 mil famílias carenciadas de casa que já existem, num número que tem vindo a aumentar”. Luís Mendes observa ainda a existência de muitas casas “num estado de conservação que impõe intervenções de reabilitação”. O investigador defende “mais reabilitação, o segmento do sector da construção com maior potencial de evolução, ainda que parte significativa desta indústria não esteja preparada tecnicamente ou faltem recursos humanos numa opção com menor margem de lucro do que a construção nova”.
Mota Saraiva afirma que a reabilitação pode chegar aos €900/m2, mas, justifica, “é mais barato fazer estas obras nos centros históricos onde o valor pode atingir os €700/m2. E esta é a referência”. Luís Mendes classifica “a reabilitação como inevitável para preservar o património edificado, revitalizar os centros das cidades e capaz de garantir trabalho à construção”. Com vantagens “no ordenamento do território, contenção do perímetro urbano e consolidação do tecido já construído”, assume o investigador do Centro de Estudos Geográficos. Opções que colocariam mais casas no mercado e que são necessárias devido “à flexibilidade e incerteza do mercado de trabalho”. A solução, preconiza, é “o arrendamento destes imóveis devolutos. Arrendar continua a ter uma expressão muito inferior à aquisição de casa própria”, resume Luís Mendes.
30 MIL FAMÍLIAS SEM CASA
Já em fevereiro a União Europeia constatava que “a falta de habitação acessível é um problema social em Portugal” num alerta que leva Vasco Brazão a criticar “os 2% de taxa de mobilidade na habitação social, permitindo a quem tem rendimentos ocupar outra residência e manter estas casas, que assim ficam indisponíveis”.
Luís Mendes pede “urgência em quebrar a ideia de que este tipo de habitação é para os mais pobres. Noutros países europeus a habitação social é disponibilizada com rendas abaixo do mercado e regras específicas de atribuição”. Tiago Mota Saraiva classifica esta escassa mobilidade com “a ideia de que uma casa é para toda a vida”.
Luís Mendes nota que “a crise de habitação se tem agravado ao longo dos últimos anos”, havendo registo de carências habitacionais para 30 mil famílias, e reclama a necessidade de “atrair o maior número de fogos privados possível para o arrendamento, através de isenções fiscais mais drásticas nos locais onde se concentra a esmagadora maioria do parque habitacional devoluto”. E sugere que “em áreas de forte pressão urbana, onde a percentagem de fogos devolutos persista manter-se muito elevada, é obrigação do Estado fazer cumprir a Lei de Bases da Habitação e a função social da propriedade”. Apenas com “incentivos ao arrendamento versus opção de compra poderemos contribuir para a dinamização do mercado de fogos devolutos”, conclui.