9.11.20

Só 412,1 mil portugueses voltaram ao escritório. 681,9 mil continuam em teletrabalho

Cátia Mateus, in Expresso

O desconfinamento iniciado em junho levou de volta ao escritório muitos trabalhadores, mas não a maioria. 681,9 mil dos mais de um milhão que tinham estado em trabalho remoto durante o confinamento permaneceram em casa

Em junho, o regime de teletrabalho obrigatório imposto pelo Governo durante o confinamento foi levantado, mas a maioria dos trabalhadores permaneceu em casa. Isso mesmo comprovam os dados esta sexta-feira divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) que sinalizam que no final do terceiro trimestre 681,9 mil trabalhadores permaneciam em teletrabalho. Um número que compara com os 1,094 milhões que no trimestre anterior, o do confinamento, se encontravam abrangidos por este regime.

Apesar de estar inscrito desde 2003 no Código do Trabalho nacional - e Portugal foi um dos países pioneiros na Europa no reconhecimento e regulação deste regime laboral - o teletrabalho nunca teve mais do que uma expressão residual entre a população ativa do país. Até à pandemia o país contava pouco mais de 100 mil trabalhadores em teletrabalho.

Em março esta realidade mudou. Sem pré-aviso e exigindo da parte de empresas e trabalhadores uma enorme capacidade de adaptação, o trabalho remoto foi a arma utilizada pelo Governo para conter a propagação da economia. Mais de um milhão de portugueses trabalharam a partir de casa. E mesmo quando em junho, o Governo iniciou o processo de desconfinamento, só 412 mil voltaram ao local de trabalho.

Segundo os dados do INE, 14,2% da população empregada manteve-se em regime de trabalho remoto sempre ou quase sempre no terceiro trimestre do ano. Destas, 539,6 mil (79,1%) referiram que a razão para trabalharem em casa foi a pandemia e 94,5% fez uso regular de tecnologia para exercer atividade. Lisboa foi a região que concentrou maior proporção (26,6%) de trabalhadores em regime de teletrabalho.

O INE traça ainda um perfil mais detalhado do teletrabalhador nacional. A maioria são mulheres, têm qualificação superior, trabalham por conta de outrem e exercem atividade em áreas intelectuais ou científicas. Traduzido em números, é este o retato: "52,6% eram mulheres, 54,8% residiam na Área Metropolitana de Lisboa, 75,3% tinham ensino superior, 92,8% eram trabalhadores por conta de outrém, 67,1% eram especialistas em atividades intelectuais e científicas e 28,6% dos que trabalhavam no setor terciário (87,6% do total) trabalhavam na área da educação"..
GOVERNO, PATRÕES E SINDICATOS QUEREM MAIOR REGULAÇÃO

Desde julho que o teletrabalho regressou ao modelo previsto no Código do Trabalho, tendo por isso um caráter voluntário e não o regime obrigatório que vigorou durante o confinamento e que o Governo agora recuperou para os concelhos mais afetados pela pandemia. Mas apesar desta aparente preferência de trabalhadores e empresas pela continuidade do trabalho remoto, o modelo não esteve (nem está) isento de problemas e riscos.

Todos lhe reconhecem vantagem, mas os problemas são muitos. Desde questões relacionadas com o maior isolamento dos trabalhadores, impacto na sua produtividade e saúde mental, a outras mais de âmbito jurídico como os limites da privacidade, exercício de controlo por parte do empregador ou direito a desligar, muitos foram os problemas identificados com a migração em escala e repentina do trabalho remoto para o presencial.

Nesta segunda vaga da pandemia o Governo "emendou a mão" e procurou regulamentar o regime para clarificar questões como o direito a subsídio de almoço e demais direitos retributivos do trabalhador, horários de trabalho e outras. Mas a sua tentativa de clarificação continua a gerar mais dúvidas do que respostas.

Quer o Governo, quer os patrões e sindicatos reconhecem que é preciso ir mais além e aprofundar a regulação do teletrabalho para minimizar os seus riscos. O Executivo iniciou recentemente uma reflexão sobre a revisão da legislação laboral nesta matéria, no âmbito do Livro Verde para o Futuro do Trabalho, e promete levar o tema a Concertação Social já em novembro recuperando, por exemplo, a reflexão em torno do direito a desligar.

Mas há outros temas que os sindicatos sinalizam como críticos e a que a legislação atual ou não responde de todo ou responde de forma muito limitada. Entre eles estão a capacidade da Autoridade para as Condições de Trabalho fiscalizar, no domícilio do trabalhador, se estão cumpridas as condições de saúde e segurança no trabalho, a privacidade do trabalhador remoto, a possibilidade de criar e regular modelos mistos de trabalho (remoto e presencial), acautelando todos os seus riscos, a compensação devida aos trabalhadores por acréscimo de despesas resultantes do trabalho no domicílio (nomeadamente, eletricidade e comunicações) e a não discriminação - na remuneração, na progressão na carreira e em todas as outras dimensões - de quem escolha trabalhar a partir de casa.