Alexandra Campos, in Público on-line
Há 12 anos consecutivos que há mais mortes do que nascimentos em Portugal, mas este ano estamos a bater o recorde do saldo natural negativo. “Se não houver uma compensação pelas migrações, a população voltará a diminuir”, diz demógrafa.
Com a natalidade a diminuir e a mortalidade a aumentar, 2020 deverá ficar para a história como o ano com o maior saldo natural negativo deste século. Desde 2009 que o número de mortes suplanta consecutivamente o total de nascimentos em Portugal, mas 2020, se a tendência verificada nos dez primeiros meses se mantiver até Dezembro, será o ano com o maior saldo natural (nados- vivos versus óbitos) negativo de que há memória em Portugal, com a excepção de 1918, quando a gripe pneumónica dizimou milhares de pessoas no país.
Comecemos pela natalidade. Esta está de novo a diminuir, a crer no número de “testes do pezinho” – que são habitualmente muito aproximados das estatísticas finais dos nados-vivos, por serem realizados nos primários dias de vida dos bebés – registados nos dez primeiros meses deste ano. Entre Janeiro e Outubro, fizeram-se 71.719 testes, quase menos dois mil do que nos dez primeiros meses do ano passado e menos cerca de mil do que no mesmo período de 2018, revelam os dados do programa de rastreio neonatal adiantados ao PÚBLICO pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.
Em sentido inverso, este ano deverá ser batido igualmente o recorde de óbitos deste século, devido ao excesso de mortalidade provocado não só pela pandemia de covid-19, mas sobretudo pelas restrições de acesso aos cuidados de saúde e pelas ondas de calor no Verão. Entre Janeiro e Outubro, morreram perto de 100 mil pessoas, de acordo com o sistema de monitorização da Direcção-Geral da Saúde que actualiza ao dia os certificados de óbito no país (Sico).
O excesso de mortalidade está a assumir uma dimensão crescente: entre 2 de Março – quando foram diagnosticados os primeiros casos de covid-19 em Portugal – e 15 de Novembro, registaram-se mais 9640 óbitos do que a média, em período homólogo, dos últimos cinco anos, contabilizou na semana passada o Instituto Nacional de Estatística.
São justamente estes dois fenómenos conjugados – o aumento das mortes e a diminuição dos nascimentos – que fazem elevar o saldo natural negativo. Entre Janeiro e Outubro, a diferença era já de 27.770, um valor sem paralelo neste século. Estes são dados ainda provisórios e sujeitos a acertos mas que farão com que a população residente em Portugal volte a encolher e tudo indica que esta tendência até se agravará, uma vez que Novembro e Dezembro são habitualmente meses com maior mortalidade.
Crianças da era da covid ainda não nasceram
Foi em 2007 que, pela primeira vez em Portugal (exceptuando o ano absolutamente excepcional de 1918, da gripe pneumónica, em que morreram quase 250 mil pessoas no país) houve mais óbitos do que nascimentos. Em 2008, o saldo natural voltou a ser positivo, mas foi sol de pouca dura. No ano seguinte foi de novo negativo e tem continuado assim desde então, sem interrupções e num crescendo, de tal forma que, em apenas 12 anos, perdemos mais de 200 mil habitantes.
“O que explica o saldo natural extremamente negativo são os óbitos, porque este ano, e desde o início da pandemia, o número de mortes acima do esperado tem sido significativo”, constata a demógrafa e professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa Maria João Valente Rosa.
Notando que é prematuro falar do efeito da pandemia nos nascimentos, “porque as crianças da era [da] covid ainda não nasceram”, a demógrafa sublinha que é preciso esperar para ver também qual irá ser o papel do saldo migratório (as entradas de estrangeiros versus as saídas pela emigração) este ano.
“Um resfriar dos fluxos migratórios afectará a almofada que a imigração representa no fenómeno dos nascimentos”, acentua, lembrando o peso que os nascimentos de mães de nacionalidade estrangeira habitualmente representam na natalidade – no ano passado corresponderam a 12% do total de nados-vivos. “Mesmo que a pandemia não belisque muito a natalidade, se tivermos um saldo natural muito negativo e se não houver uma compensação pelas migrações, a população voltará a diminuir”, reforça.
Uma coisa é certa, insiste: “O dinamismo das populações vai depender cada vez dos saldos migratórios. Se não forem expressivos, as populações começam a atrofiar-se e em Portugal esse reflexo é particularmente acentuado porque o número de nascimentos é muito baixo”.
“Desde há anos que a população está a encolher em Portugal. O que estes dados sugerem é que não tem havido estímulos suficientes para a natalidade crescer em Portugal, mas é o aumento da mortalidade, que a pandemia agravou, que é significativo este ano”, corrobora a presidente da Associação Portuguesa de Demografia, Ana Alexandre Fernandes.
Portugal até estava no bom caminho antes da pandemia de covid-19 surgir. Desde 2017 que o saldo migratório voltara a ser positivo, invertendo uma tendência de quebra ao longo de vários anos, ainda assim sem ser suficiente para compensar o saldo natural negativo.
No ano passado, porém, e pela primeira vez desde 2009, a população registou finalmente uma taxa de crescimento positivo, graças ao aumento significativo do saldo migratório – mais 44.506 imigrantes do que emigrantes. Resta ver o que vai acontecer em 2021, afirma Ana Alexandra Fernandes: “Este ano não é um ano-padrão. Temos que ter esperança”.