Maria Moreira Rato, in iOnline
Em território nacional, o género feminino é o mais vulnerável à pobreza. O i conversou com Virgínia, Daniela, Amália e Cátia, quatro mulheres que lutam pela sobrevivência em plena pandemia de covid-19.
Ficou sem emprego devido à pandemia e, sem conseguir o subsídio de desemprego, recorreu à reforma antecipada, com apenas 62 anos. Ao fim de 47 anos de descontos para a Segurança Social, aufere 394 euros e quer “muito trabalhar”, mas sofre de uma depressão e ainda é perseguida pelo ex-companheiro, que está prestes a cumprir a pena por violência doméstica.
Este é o resumo da história de vida de Virgínia Maria Santos, residente em Lisboa, que com o pouco dinheiro que ganha, ainda tem de sustentar o filho de 20 anos que não encontra emprego. “Consegui a reforma em agosto do ano passado, mas tem sido muito difícil. Aquilo que me vale é ter uma renda barata, de 37,40 euros”, desabafa.
Este cenário não é, de todo, estranho. Afinal, de acordo com o estudo coordenado por Fernando Diogo, quando se considera o total da população e os grupos etários com 18 anos ou mais, a taxa de pobreza observada nas mulheres é quase sempre superior à taxa de pobreza observada nos homens. Por exemplo, em 2016, 18,7% das mulheres eram pobres, enquanto este valor correspondia a 17,8% na população masculina.
“Como tive problemas de saúde e de baixa, não tive direito ao subsidio de desemprego”, confessa sobre os 11 anos em que trabalhou como monitora de crianças. Conseguiu estar cinco meses num centro de dia, todavia, foi “convidada a sair”.
Quando ficou desempregada, recorreu à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e começou a receber 250 euros e um cabaz de alimentos mensalmente. Agora, só pode contar com a comida. “Não é suficiente, nem pouco mais ou menos, mas é aquilo que me dão e aceito”, narra a mulher que, por vezes, conta com o apoio de uma das filhas mais velhas. “Tudo quanto peço é para o irmão dela. Se eu não puder comer, não como”, realça.
A depressão instalou-se no período pós-parto e tem-se vindo a arrastar há duas décadas. “Divorciei-me e estive com outra pessoa que revelou ser quem nunca imaginei. Tenho um processo em tribunal contra ele de violência doméstica”, explica, desabafando que chegou a ter medo de sair de casa porque o indivíduo em questão conhecia os seus horários e as rotinas.
“Apanhou três anos de pena suspensa, mas termina em agosto e isso assusta-me. Ele tem pulseira eletrónica, mas até hoje, escreve o meu número em casas de banho públicas”, declara, garantindo que “as perseguições nunca pararam”.
“Consigo comprar os medicamentos porque são bastante baratos. Sem a medicação, vou muito abaixo e já tive vários episódios em que tentei desistir. Não vejo uma luz ao fundo do túnel”, afirma a lisboeta, que corresponde ao perfil traçado no estudo. “No que concerne à variável sexo (...) as mulheres têm um aumento de 5,7 pontos percentuais na probabilidade de serem pobres, quando comparadas com os homens”, pode ler-se.
“O meu sonho é trabalhar com crianças novamente. Se não conseguir, gostaria de trabalhar no atendimento ao público”, divulga. “Neste momento, não vivo, sobrevivo. Depois de uma vida de trabalho, devia ter nem que fosse o ordenado mínimo. É uma revolta muito grande que eu sinto”, termina.
Entre um salto de fé e a desilusão
Durante seis meses, Daniela Rodrigues, hoje com 26 anos, dividiu-se entre as cidades suíças de Zurique, Berna e Interlaken. “Foi a minha melhor experiência laboral. Vivi no cantão alemão porque me disseram que lá ganharia mais”. E, de facto, a licenciada em Design auferia 4700 euros, um valor surpreendente em Portugal, mas não no país em que o salário mínimo ronda os 3700 euros.
Tudo corria bem, quando a jovem decidiu regressar a Portugal. “Tenho uma deficiência de vitamina D muito grave, preciso de medicação e, com pouco sol, fico depressiva, ansiosa e tenho problemas de pele e de cabelo”, lamenta, constatando que viveu “com dignidade” e foi tratada “com justiça”.
Natural do Porto, foi viver para a capital “por uma questão amorosa”, há quase três anos, e pensou que conseguiria um emprego bom pois, para além da licenciatura, tirou um curso de desenhadora projetista na Cooperativa Árvore e está habilitada a fazer os mesmos projetos que os arquitetos. “Só não posso assinar”, brinca. No entanto, conseguiu somente um projeto na sua área de formação, num restaurante na Baixa: todas as outras experiências que teve passaram por locais como escritórios ou companhias de seguros. “Em Design, só consegui contratos de estágio, mas já os tinha feito, não podia repetir. Achei estranho quando me mandavam embora, pensava que o problema era meu, mas o último trabalho que tive foi numa seguradora, saí em novembro e a maioria dos contratos de seis meses não foram renovados”, diz.
Apesar de viver numa casa partilhada e pagar 300 euros por um quarto, a rapariga não desiste e, apesar de não ter um pé de meia consistente devido às despesas que tem enfrentado, está a tentar lançar a marca Jasmim juntamente com uma amiga que é cantora. “Queremos investir nos produtos sustentáveis, começando pelos tecidos e métodos de pigmento”, explicita com o entusiasmo notório na voz.
“Diz-se que Portugal é um país desenvolvido, mas estamos em condições muito más. O mérito parece não valer, é tudo uma questão de sorte”, expressa. “O meu sonho é investir no hiper-realismo tanto na pintura como na escultura, mas, simultaneamente, na parte de desenhadora projetista”, sublinha.
Sobreviver com uma indemnização
Com 435 euros de subsídio de desemprego e dez meses de indemnização por despedimento, Amália Valente, de 50 anos, tenta pagar todas as contas. A ela, junta-se o marido, trabalhador de uma gráfica, que ganha o ordenado mínimo. Ao fim de cada mês, pagam, somente de renda, 550 euros. Com dois filhos maiores de idade que já não se encontram sob a sua alçada, continuam a não respirar de alívio.
A mulher trabalhava numa rouparia, no Casino de Lisboa, tratando de recolher, enviar para a lavandaria, rececionar e entregar a roupa dos funcionários. Contudo, foi despedida em setembro do ano passado, após dois anos de baixa profissional. “Não conseguia andar por causa das minhas hérnias e o meu posto profissional foi extinto”, lastima. Antes desde emprego, passou por cargos em empresas como o Pingo Doce ou a Fnac e ilustra a “trajetória de emprego em carrossel” denunciada pelo estudo de Fernando Diogo, ou seja, “por muito que os inquiridos tenham mudado de emprego ou de atividade, por muitas atividades distintas que tenham desenvolvido ao longo da sua vida, não saem da mesma posição social”.
O drama da restauração
Ganhava 1200 euros e era responsável por um restaurante em Lagos. O estabelecimento fechou no primeiro confinamento, reabriu em maio e encerrou novamente em novembro. Sem saber o que fazer, Cátia Santos, de 47 anos, tornou-se cozinheira na prisão de Silves.
“Tive de respirar fundo e engolir o orgulho. Criava pratos de excelência e, agora, faço comida para 60 homens. É completamente diferente. Tive de baixar vários degraus”, relata, explicando que, depois dos descontos, aufere 593 euros e, como consequência, ficou com o filho a seu cargo, mas a filha está com o pai.
“Esperamos pelos turistas nacionais e internacionais como quem espera por chuva no deserto. O meu maior desejo é que tudo volte a ser como antes da covid-19”, manifesta.
“Todos os meses tenho de mexer nas poupanças para comer”, admite a mulher que paga 400 euros de renda, água, eletricidade e Internet. “Sou uma das vítimas da pandemia sem ter estado infetada”, refere.