ombate ao absentismo e abandono escolar foram os objectivos que levaram à criação do grupo no Agrupamento de Escolas Ordem de Sant’Iago
No Auditório da Escola da Bela Vista ecoa a voz de António, 12 anos, interpretando a canção Rosamaria (gravada originalmente em 1976 na voz de Camarón de la Isla com Paco
de Lucía na guitarra) acompanhado por palmas dos seus companheiros, tanto junto de si no palco como por outros na plateia, sob supervisão atenta do professor Paulo Croft, que está na guitarra.
As raparigas, também já no palco, algumas com apenas 7 anos, exibem as suas longas saias negras, dando os primeiros passos da coreografia que está a ser aos poucos criada e ensaiada e que acompanhará a música. Elas observam todos os passos da professora Cláudia Pargana, responsável pelo ensaio da coreografia, e tentam repetir ao máximo.
A assistir a este ensaio, como é habitual, com um olhar orgulhoso, está o professor Pedro Florêncio, director do Agrupamento de Escolas Ordem de Sant’Iago e dinamizador deste projecto, intitulado “Flamenquitos de Sant’Iago”. Antes, na sua sala e com grande entusiasmo, explicou como e quando surgiu o projecto.
“Nasceu, mais ou menos, em meados de Outubro, mas já o tínhamos pensado há algum tempo”, revelou Pedro Florêncio, para lembrar de seguida: “Nasceu de uma proposta que fizemos ao YMCA, que tem um projecto chamado ‘CLDS – 4G (Contrato Local de Desenvolvimento Social – 4a geração)’”.
A iniciativa surgiu como resposta à “necessidade de prevenir o absentismo e o abandono escolar, através de actividades que fossem do interesse [dos alunos]”. Até porque, estes jovens estão no grupo com o compromisso de irem à escola e assistirem às aulas.
E assim nasceu a ideia de criar um grupo de cante e dança flamenca, em parceria com o YMCA. Esta parceria tem em vista o apoio com a contratação dos professores, enquanto a escola, como explica Pedro Florêncio, cumpre a função de dar aos jovens as roupas e instrumentos musicais.
“É um projecto único no País. Existem outros projectos com música,mas não com música flamenca”, sublinha, reforçando ainda que “é também único porque também tinha de ir ao encontro das raízes dos nossos alunos”.
O projecto foi recebido com entusiasmo e está a ser um sucesso. Neste momento, fazem parte dos “Flamenquitos de Sant’Iago” 16 rapazes e 16 raparigas, dos 7 aos 16 anos. “Elas dançam e eles tocam, cantam e batem as palmas”, aponta o director do Agrupamento.
Ensaios animados e intensos, mas também com exigência
Ao longo do ensaio, Paulo Croft, professor responsável pela parte musical, e Cláudia Pargana, professora responsável pela dança, vão dando as indicações necessárias para que
o acerto seja o máximo possível. Os “Flamenquitos” vibram intensamente com a música, querendo sempre ir mais além.
No intervalo, aproximam-se António e Moisés, de 12 anos, Adonai, de 13, e Natanael, de 15 anos, para verbalizar o quão entusiasmados estão por fazer parte dos “Flamenquitos”.
“Agora vamos para a escola e para as aulas mais animados e motivados”, dizem todos
eles. Este projecto vai alimentando-lhes as esperanças de fazerem coisas na música e de ter um grande impacto nas suas vidas, como revela Natanael: “O meu pai diz-me sempre para não desistir dos meus sonhos”.
No final, Paulo Croft e Claúdia Pargana recuperam o fôlego, depois do intenso e animado ensaio. Ambos reconhecem a exigência do projecto, mas fazem um balanço positivo à iniciativa.
“Apesar de haver muito trabalho para fazer, eles têm tido uma evolução muito positiva”, afirma Paulo Croft, com Cláudia Pargana a juntar: “Temos sempre a esperança de que eles possam evoluir cada vez mais”.
A intensidade e animação com que os pequenos flamenquitos estão nos ensaios colocam alguns desafios, como o da necessária atenção, mas é algo que é encarado com relativa
naturalidade pelos professores. “Esta música está-lhes no sangue”, lembra Cláudia, justificando a forma como os alunos se entregam ao projecto.
“Tentamos sempre mostrar que eu e o Paulo [Croft] não tivemos esta oportunidade que eles estão a ter”, confessa a professora, para exemplificar como capta o foco dos jovens. Apesar do trabalho ser intenso e levado com paciência, Paulo Croft resume bem o espírito dos dois responsáveis: “Saio daqui feliz.”
“Acho que isto vai dar muito que falar”
Pedro Florêncio acredita que este projecto poderá oferecer “uma transformação” na comunidade cigana. “Ainda é cedo para aferirmos isso, mas já o facto de conseguirmos fazer com que eles venham à escola e estejam nas aulas e tentem prestar atenção e comportar-se, já é muito bom”, afirma o director do agrupamento.
Paulo Croft acredita muito no projecto. “Acho que isto vai dar muito que falar”, antecipa. A visão é partilhada
por Claúdia Pargana que acrescenta: “Olho para eles como pequenos diamantes em bruto, alguns deles já comaçámos a lapidar e já vemos algum brilho”.
De acordo com o director do agrupamento, já estão inclusivamente a ser planeados espectáculos e a serem feitos contactos com entusiasmo, até por outros agrupamentos, para apresentarem o projecto.
Pedro Florêncio, destaca, neste curto período, a ida a um restaurante em Lisboa, “De Espanha a tua mesa” onde os “Flamenquitos” foram recebidos com entusiasmo e emoção, “como se fossem já uns artistas”. E lembra a concluir que os jovens ficaram tocados de tal maneira que alguns “tinham lágrimas nos olhos”.
Orgulho Comunidade cigana aplaude
Para além de servir como incentivo ao combate ao absentismo e abandono escolar, o projecto serve também para integração e intervenção junto da comunidade cigana, tal como explica Pedro Florêncio.
“Temos de nos lembrar que somos o agrupamento do País com mais alunos de etnia cigana. 20% dos nossos alunos são de etnia cigana”. E os objectivos, ao que tudo indica, estão a ser atingidos junto da comunidade cigana.
“Tê-los aqui, todos juntos, rapazes e raparigas, especialmente as raparigas a virem à escola, é um sinal animador de que pode haver uma transformação na comunidade”, diz Pedro Florêncio. Esta animação e receptividade ao projecto é confirmada pelos alunos.
“Toda a gente está a receber bem isto”, afirma António. “Há um orgulho por este ser um projecto criado pelos ciganos e com ciganos”, adianta Natanael.