16.3.22

Famílias mais pobres vão ter apoio para bens essenciais

Maria Caetano, in DN

Linha de crédito para empresas em crise com subida de custos chega aos bancos na quinta-feira. Apoios diretos vão privilegiar indústrias sem contratos de energia de longo prazo.

As famílias com menores rendimentos vão poder receber uma nova prestação social cujo valor deverá variar em função da subida dos preços dos bens essenciais. A medida, em preparação, deverá abranger pelo menos 1,4 milhões de beneficiários atuais da tarifa social de eletricidade.

O anúncio foi feito ontem pelo ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, na apresentação de um novo conjunto de respostas ao choque de preços na energia e outros bens provocado pela invasão russa da Ucrânia. As medidas vão alargar também apoios direcionados aos transportes de mercadorias, setor TVDE, agricultura e indústrias e outras empresas mais penalizadas pelo aumento de custos de produção.

Nos apoios às famílias com menores rendimentos, a resposta passará por uma prestação social de emergência e de valor variável em função das subidas dos preços de bens essenciais, que o governo passará a monitorizar. "O montante exato terá de ser desenhado em função daquilo que a cada momento possa ser o aumento do preço dos bens essenciais", segundo explicou o ministro da Economia.

O apoio, a ser aprovado em Conselho de Ministros brevemente, será detalhado nos próximos dias e pretende abranger, pelo menos, o universo de beneficiários da tarifa social de eletricidade. "Vamos avaliar se deve ser este ou se deve ser mais alargado", indicou Siza Vieira.
Para estas famílias, que gozam da tarifa social por dependerem de prestações sociais destinadas a quem tem rendimentos muito baixos, o governo tinha anunciado também na última semana uma redução de dez euros na aquisição de cada botija de gás.
400 milhões a crédito

Já para as empresas, o ministro da Economia anunciou que na quinta-feira os bancos comerciais poderão passar a conceder crédito com garantias públicas que cobrirão até 70% dos montantes pedidos no âmbito de uma primeira linha de crédito de 400 milhões de euros (outras linhas, a serem operacionalizadas pelo Banco Português de Fomento, estão também em preparação).

Nesta Linha de Apoio à Produção, o financiamento será a oito anos, com 12 meses de carência de capital. Poderão recorrer aos empréstimos as indústrias transformadoras e dos transportes nas quais a energia represente, pelo menos, 20% dos custos de produção, que estejam a sofrer aumentos de preços nas mercadorias consumidas ou vendidas iguais ou superiores a 20% ou que apresentem quebras de faturação operacional mínimas de 15% motivadas pela redução de encomendas ou dificuldades nos fornecimentos. Ficam no entanto isentas destes requisitos as empresas que produzem bens alimentares de primeira necessidade.

OE adianta à agricultura

A agricultura, em particular, tem sido penalizada duplamente pela seca e pela subida de custos em vários fatores (combustíveis, fertilizantes e rações animais), com a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, a anunciar ontem que o governo pretende antecipar para abril e maio, com recurso ao Orçamento do Estado (OE), um total de 500 milhões de euros para pagamentos de pedidos únicos de ajudas da Política Agrícola Comum relativos a este ano. Os pagamentos, correspondentes a metade das ajudas a conceder, vão ter por referência os valores pagos em 2021. Em outubro serão feitos os acertos necessários.

Será também criada uma isenção de imposto sobre produtos petrolíferos para o gasóleo consumido no setor agrícola e no das florestas.

Além disso, a ministra indicou que o valor de 20 milhões de euros de crédito avançado aos agricultores na resposta à seca será reforçado em mais 30 milhões. Entretanto, e já ontem, foram publicadas em Diário da República as regras de apoios à eletricidade das explorações agrícolas e pecuária.

"Preferimos dar apoios para que as empresas continuem a laborar", disse Siza Vieira, afastando para já o regresso do lay-off simplificado.

Ministro exclui lay-off simplificado

Noutras indústrias mais dependentes de energia, o governo afasta, para já, recuperar o lay-off simplificado, mesmo perante paragens como as da Siderurgia Nacional e de algumas unidades de cerâmica, e aponta antes para novos apoios à manutenção da produção que poderão, antes do final deste mês, ser autorizados a nível europeu. "Preferimos dar apoios para que as empresas continuem a laborar a dar apoios para que os trabalhadores vão para casa e as empresas deixem de laborar", explicou Siza Vieira. O ministro da Economia defendeu que a prioridade do governo é a de "preservar a capacidade produtiva".

O governo irá desenhar e apresentar estes apoios após o Conselho Europeu de 25 e 26 de março, que servirá para dar aval à flexibilização das regras de ajuda de Estado que vigoram no mercado interno da União Europeia. Mas avança já que a prioridade é socorrer as indústrias que não beneficiam de contratos de energia de longa duração.

Segundo Siza Vieira, "70% das empresas portuguesas que consomem gás natural têm contratos cujo preço está indexado ao preço diário no mercado spot". "Enquanto no setor da eletricidade é normal haver contratos a um ano, a dois anos, a três anos - e até se têm estado a alargar - no setor do gás natural isso é menos frequente. Por isso, estas empresas estão num contexto de grande dificuldade", explicou.

A Comissão Europeia propôs na passada semana voltar a dar margem aos governos dos Estados-membros para que injetem dinheiro em setores sob choque da escalada energética. As medidas de liquidez preveem novas linhas de crédito de garantias públicas - que o governo também está a preparar, além dos 400 milhões de euros já anunciados - e também subsídios.

Em aberto está a possibilidade de os apoios serem destinados às empresas com maior uso de energia ou serem mais transversais, ao mesmo tempo que Bruxelas pede aos Estados-membros mais propostas de soluções para acudir à agricultura.

A flexibilização de ajudas de Estado é uma das decisões europeias aguardadas, a par com a possibilidade de ser autorizada a redução do IVA dos combustíveis, a alteração da regulação dos preços no mercado de energia, a concessão de apoios diretos à agricultura, a compra conjunta de energia e outros bens, e ainda a possibilidade de impor tributação excecional de "lucros inesperados e aleatórios" pelas empresas do setor energético. "Temos de ver em que medida isso será permitido", disse o ministro da Economia.