4.3.22

Quase um terço das mulheres abdicou de trabalho pago por causa da carga doméstica durante a pandemia

Aline Flor, in Público on-line

Eurobarómetro mostra que 90% das mulheres em Portugal acredita que a violência de género aumentou. As portuguesas são as mais preocupadas da UE com a disparidade salarial entre mulheres e homens.

Foto 47% das trabalhadoras portuguesas afirmam que a pandemia teve um impacto negativo nos seus rendimentos Daniel Rocha

Não é a abordagem habitual, mas na contagem decrescente para o Dia Internacional das Mulheres o Parlamento Europeu publica um Eurobarómetro em que foram entrevistadas apenas pessoas do sexo feminino - cerca de mil em cada país da União Europeia (UE) - e traça um retrato do impacto da pandemia na vida das mulheres.

Mais de metade das mulheres empregadas em Portugal sentiu que a pandemia teve um impacto negativo no equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, uma percentagem que fica acima dos 44% da média da UE. Entre os 27 Estados-membros, é no Chipre que mais mulheres (68%) consideram ter sofrido um impacto negativo neste equilíbrio entre vida profissional e pessoal, seguido da Grécia (59%) e Malta (59%). No outro extremo está a Dinamarca, onde apenas um terço das mulheres se queixa do mesmo.

Quase metade das mulheres empregadas em Portugal (47%) afirmam que a pandemia teve um impacto negativo nos rendimentos: 29% concordam com esta afirmação, e 18% “concordam totalmente” com a mesma. A nível europeu, Grécia (60%), Bulgária (57%) e Chipre (57%) são os países onde as mulheres mais sentiram o impacto negativo da pandemia nos rendimentos, em contraponto com países como Dinamarca (18%), Finlândia (22%) e Estónia (23%). A média europeia situa-se nos 38%.

Há também uma proporção relativamente grande de trabalhadoras portuguesas que fizeram menos trabalho remunerado do que queriam: 42% trabalharam menos do que desejavam “devido ao impacto da pandemia no mercado de trabalho” (a média da UE foi 31%) e 30% tiveram que reduzir o trabalho remunerado devido ao “aumento do trabalho em casa” (na UE, 25% responderam o mesmo).
 

Aumentar

Uma das grandes preocupações levantadas pela pandemia é o impacto desproporcional que ela possa ter nas mulheres a médio ou longo prazo. Os dados ajudam a quantificar: cerca de uma em cada cinco mulheres europeias pretende reduzir permanentemente o tempo que dedica ao trabalho remunerado.


Violência aumentou

Ao nível da violência contra as mulheres, as percepções também são alarmantes: nove em cada dez portuguesas afirmam considerar que houve um “aumento na violência física e emocional contra mulheres no seu país”; a média europeia foi de 77%, e apenas a Grécia ultrapassa a percentagem portuguesa, com 93% das respostas a apontar para este aumento.

Entre todas as mulheres inquiridas em Portugal, 64% consideram que houve um “grande aumento” da violência contra mulheres; 26% responderam que houve um “pequeno aumento”.
 



Em Portugal, 17% das mulheres responderam que conheciam pelo menos uma mulher na família ou círculo de amigos que sofreu assédio online ou outra forma de ciber-violência; outras 17% afirmaram conhecer vítimas que sofreram assédio na rua nos últimos dois anos; 14% conheceram pelo menos um caso de violência doméstica contra mulheres durante a pandemia; 14% estiveram em contacto com casos de violência económica; e 14% souberam de pelo menos uma mulher que foi assediada no trabalho.

Em linha com as respostas a nível europeu, as portuguesas indicam que a principal medida a ser aplicada para combater a violência contra mulheres é tornar mais fácil o processo de queixa às autoridades, mas sugerem também maior formação da polícia e dos magistrados sobre estas questões, o aumento das opções de ajuda para as mulheres vítimas de violência e a promoção da autonomia financeira das mulheres.

Algumas medidas sugeridas pelas outras mulheres europeias que estão mais longe das preocupações da generalidade das portuguesas são as medidas para combater o assédio online (indicada por 36% na Finlândia e apenas 13% em Portugal) e para facilitar o acesso das mulheres à interrupção voluntária da gravidez - pedidas por 30% das mulheres na Polónia, onde o acesso ao aborto é ultra-restrito, e por apenas 4% em Portugal, onde apesar de ser legal ainda existem obstáculos ao acesso à IVG.
Combate às desigualdades

Por fim, também a saúde mental das mulheres sofreu devido às restrições relacionadas com a pandemia. O confinamento e as medidas de recolher obrigatório (41% a nível da UE) e limitações do número de pessoas com quem se podem reunir (38%) foram as medidas que mais impacto negativo tiveram na saúde mental das mulheres.


Em Portugal, mais mulheres manifestaram sentir-se preocupadas com amigos ou família (63%), ansiosas ou stressadas (45%) ou preocupadas com o futuro (41%). Mas no nosso país parece haver mais acesso a meios de apoio, por comparação à média europeia: questionadas sobre o que fariam ou a quem recorreriam se passassem por uma questão de saúde mental, como stress ou ansiedade, 53% das mulheres portuguesas referiram amigos ou família (assim como 48% das europeias) e 52% mencionaram um psicólogo ou terapeuta (quando a média europeia foi de apenas 38%), havendo ainda 41% de mulheres em Portugal que coloca a opção de recorrer ao médico de família (38% na UE).

Quando inquiridas sobre que prioridades deve ter o Parlamento Europeu em matéria de igualdade de género, 55% das mulheres portuguesas estão preocupadas com a “disparidade salarial entre mulheres e homens e o seu impacto no desenvolvimento da carreira”. É a maior preocupação que reportam.

55% das mulheres portuguesas estão preocupadas com a “disparidade salarial entre mulheres e homens e o seu impacto no desenvolvimento da carreira”

Em segundo e terceiro lugar na lista de questões importantes para as portuguesas estão o tráfico e exploração sexual de mulheres e crianças - uma prioridade absoluta em países como Finlândia, Suécia, Roménia, Grécia, Dinamarca e Chipre - e a violência mental e física contra as mulheres, que preocupa com particular importância as mulheres no Leste da Europa.