9.3.22

Portugal entre os cinco países da União Europeia com menos anos de vida saudável para as mulheres

Ana Dias Cordeiro, in Público on-line

Neste Dia Internacional da Mulher, a base de dados que reúne e cruza estatísticas analisa tendências e traça retratos do Portugal contemporâneo apresenta os indicadores mais significativos para ajudar a ler o caminho percorrido pelas mulheres.

Foto Em 2020, a esperança de vida média das mulheres era de 84 anos mas a esperança de vida saudável era de apenas 58 anos Nuno Ferreira Santos

As mulheres vivem mais anos do que os homens, em média. Mas quando o que é comparado são os anos de vida saudável, a desvantagem inverte-se de forma clara.

De acordo com os dados a Pordata compilou para assinalar o Dia Internacional da Mulher, a esperança de vida com saúde de uma mulher em Portugal é de 57,8 anos; a dos homens é de 60,6 anos.

Quase três anos separam homens e mulheres, segundo estes números de 2019, disponíveis na página das estatísticas europeias do Eurostat desde o ano passado e que agora a Pordata destaca como um dos que retratam as mulheres em áreas como a saúde, a família, o emprego, a escolaridade, a demografia, entre outras. “Este é um dado que me inquieta”, diz a directora da Pordata, Luísa Loura.

Não pelo que tem evoluído, mas pelo que se constata comparativamente a outros países. A esperança média de vida saudável à nascença (para homens e mulheres) era de 59,3 anos em 2019. Houve um ganho de mais de cinco anos relativamente a 2004.

Mas numa situação melhor do que as portuguesas, ainda na perspectiva dos anos de vida saudáveis, estão as mulheres que vivem em 22 países da União Europeia. Em Espanha e Irlanda, a esperança de vida saudável (à nascença) é de mais de 70 anos; na Itália e na Bulgária está acima dos 68 anos, e na Alemanha acima dos 67 anos.

Ligação com o trabalho parcial

A Estónia (com 57,7 anos), a Eslováquia (56,3), a Finlândia (54,8) e a Letónia (54,1) são os únicos quatro países dos 27 da UE onde as mulheres têm expectativas abaixo das de Portugal.

Para Luísa Loura, professora universitária da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, estes dados e a realidade do emprego feminino em Portugal estão, muito provavelmente, “interligados".

“A taxa de emprego a tempo parcial é muito maior noutros países do que em Portugal”, observa, sugerindo que a redução do horário de trabalho actua positivamente. Trabalhar a tempo inteiro resulta numa “sobrecarga muito grande” para as mulheres; são elas que pensam toda a logística da casa, mesmo que não se ocupem de todas as tarefas, diz.

“Em Portugal, onde as mulheres têm muito menos anos de vida saudável, as mulheres trabalham full time”, continua. Existe essa necessidade de trabalho a tempo inteiro (para a economia e para a própria família, por motivos financeiros), ao mesmo tempo que isso se concretiza cumprindo a mulher muito do trabalho em casa “que ainda está a cargo da mulher”.
Maior desigualdade com a pandemia

Ainda neste enfoque dado às estatísticas que retratam as mulheres, constata-se que a desigualdade salarial entre mulheres e homens aumentou no primeiro ano da pandemia em Portugal. A mesma tendência tinha-se verificado, mas em maior grau, nos anos da crise económica nos quatro anos a partir de 2011, salienta Luísa Loura, doutorada em Estatística e licenciada em Matemática.

A desigualdade salarial andou abaixo dos 10% antes de 2011 e aumentou nos anos seguintes até 2015. A economia começou a crescer e a disparidade dos salários entre mulheres e homens decresceu ligeiramente. Entre 2019 e 2020 voltou a aumentar, não tanto como tinha feito nos anos da crise entre 2011 e 2014, quando esteve sempre entre os 13% e os 16%.

“Em momentos de crise económica, há uma maior disparidade”, diz Luísa Loura. E isso “terá muito que ver com questões culturais”, intui a professora universitária. “Nessas alturas, as empresas estão com mais dificuldades, o esforço financeiro das famílias é maior e as mulheres entram mais [frequentemente] no mercado de trabalho.”

Nestas circunstâncias, para ajudar na economia familiar, as mulheres que entram no mercado de trabalho fazem-no sem grandes qualificações, e não exigem muitas competências. “Entram por necessidade e sem discutir muito o vencimento.” Assim, os seus salários não vão reduzir a disparidade, mas acentuá-la, explica a directora da Pordata, base de dados sobre o Portugal de hoje, assente em estatísticas de entidades oficiais, como o Instituto Nacional de Estatística e o Eurostat, e criada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Competências tecnológicas valorizadas

Com a pandemia o efeito não foi o de uma crise económica, mas a tendência foi a mesma. “A explicação que eu equaciono para uma maior disparidade em 2020 tem que ver com uma maior procura e valorização de competências e conhecimento que as mulheres não têm tanto como os homens. E que estão relacionadas com a tecnologia, com uma maior competência na área digital.”

Durante o confinamento, e o teletrabalho generalizado (em funções que o permitiam), “foi preciso montar toda uma estrutura”, o que leva Luísa Loura a dizer que “as empresas podem ter valorizado esses conhecimentos” repartidos de forma muito diferente entre homens e mulheres numa proporção de 70% e 30% respectivamente.

“Essas áreas da tecnologia da informação foram muito valorizadas pelas empresas”, o que se terá repercutido positivamente nos salários – dos homens, pois são eles quem em maioria trabalha nestas áreas.

Mesmo assim, Portugal não tem um diferencial tão expressivo como em muitos outros países europeus. Finlândia e Estónia, por exemplo, são dois outros países onde o intervalo aumentou, mas a uma escala superior: passou de 16,6% para 16,7% na Finlândia e de 21,2% para 22,3% na Estónia.

Ao aumentar a percentagem de mulheres com o ensino superior, Portugal tem feito um caminho positivo, também para reduzir a desigualdade do salário. Com mais habilitações, as mulheres sobem na escala do vencimento.
Mulheres mais focadas nos estudos

Há um outro lado muito positivo a salientar, diz a especialista. “Em Portugal, as mulheres estão mais focadas nos estudos do que os homens.” Sabem melhor o que querem da sua formação, e focam-se nisso. Luísa Loura, que acompanha as tendências e as estatísticas, considera notável e um motivo de orgulho “a determinação das raparigas” no seu percurso escolar e académico. “Muitas trabalham e estudam por paixão”, realça. “Esta postura das raparigas relativamente à sua formação tem sido um ganho.”

Esse ganho tem permitido um melhor posicionamento no ranking do Índice de Capital Humano (medir com base nas qualificações e conhecimentos da força de trabalho). Em 2018, Portugal já se posicionava entre os seis países com melhores indicadores. Sendo 1 o máximo, Portugal atingiu os 0,78. Com índices de capital humano acima de Portugal, em 32 países europeus, só a Finlândia e a Irlanda (com 0,81), a Holanda e a Suécia (com 0,80) e a Eslovénia (com 0,79).