Maria João Guimarães, in Público online
Organização Internacional para as Migrações diz que muitas das mortes teriam sido evitadas se tivesse havido ajuda às embarcações que enfrentaram problemas.
Desde o início de 2021 morreram pelo menos 5684 pessoas a tentar chegar à União Europeia, segundo números divulgados esta terça-feira pela Organização Internacional para as Migrações (OIM).
As mortes de refugiados em travessias pouco seguras raramente são vistas. Este mês, na ilha grega de Kythira, houve uma excepção: apesar de terem sido salvos 80 dos 95 ocupantes dos barcos, em operações arriscadas com recurso a cordas para puxar sobreviventes numa escarpa, porque não era possível aceder ao mar devido a ventos que chegaram a 70km/h, os que morreram no naufrágio ficaram a boiar perto da costa durante três dias. No mesmo dia, ao largo de Kythira, os ventos também puseram fim à viagem de outras 40 pessoas em direcção à ilha de Lesbos, num naufrágio em que morreram pelo menos 18 dos que seguiam a bordo.
A Grécia e a Turquia têm-se acusado mutuamente pelas mortes de migrantes nas suas águas territoriais, com a Grécia a dizer que a Turquia permite a saída de embarcações sem condições e demasiado cheias, e a Turquia a acusar a Grécia de “pushbacks”, ou seja, de obrigar ao retrocesso das embarcações quando já estão nas suas águas e a lei internacional obriga ao resgate, se estiverem em perigo, ou a que lhes seja facilitada a chegada a terra. A troca de acusações serve ainda propósitos eleitorais: ambos os países têm eleições no próximo ano.
As pessoas que lucram com as tentativas das pessoas que procuram refúgio na Europa têm, entretanto, mudado as rotas para evitar as que são mais patrulhadas pela guarda costeira grega – daí o naufrágio em Kythira, a cerca de 400 km da Turquia, que está numa rota usada para tentar chegar a Itália, contornando a Grécia.
Noutra troca de acusações recente está um caso inaudito, quando foram descobertos 92 refugiados, sírios e afegãos, totalmente nus na margem grega do rio Evros, que atravessaram vindos da Turquia.
Se os maus tratos acontecem durante o trajecto, também à chegada a países europeus os refugiados e migrantes podem enfrentar violência. A organização Médicos Sem Fronteiras contou que na semana passada encontrou um grupo de 22 pessoas, manietadas com abraçadeiras de plástico, depois de terem sido atacadas por pessoas que diziam ser funcionários das autoridades de saúde. “Todas choravam”, disse Teo di Piazza, coordenador da MSF, à agência Europa Press.
A Grécia diz que as travessias de pessoas vindas da Turquia aumentaram 150% em relação a 2021.
A OIM indica que esta rota tem vindo a registar um aumento de mortes, com 126 documentadas – mas, como nos outros casos, há muitos naufrágios invisíveis. As rotas mais mortíferas são a do Mediterrâneo central, com origem na costa do Norte de África, sobretudo da Líbia, para Itália, em que morreram pelo menos 2836 pessoas, um aumento em relação às 2262 mortes registadas em 2019-20.
Na rota do Atlântico que tem como destino as Canárias, foram documentadas 1532 mortes, um número que já ultrapassou todos os que foram documentados em períodos homólogos pela OIM desde 2014.
No total, “registámos mais de 29 mil mortes durante travessias de migração para a Europa desde 2014”, disse Julia Black, autora do relatório da OIM. A continuação destas mortes sublinha “que precisamos desesperadamente de mais vias legais e seguras para migrações”, sublinhou Black.
O relatório diz ainda que além da falta de vias seguras, muitas das mortes poderiam ter sido evitadas se tivesse havido ajuda aos barcos que enfrentaram problemas. Pelo contrário, muitos sobreviventes relataram antes que foram alvo de pushbacks, sendo empurrados de volta para águas territoriais do país de onde tinham partido, uma acção ilegal.
Apesar de ser contrária ao direito internacional, é uma acção que a guarda costeira grega tem levado a cabo de modo sistemático, acusam organizações de defesa de direitos humanos. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos pronunciou-se em Julho sobre um caso que tinha sido arquivado sem acusação por um procurador grego. O tribunal tem ainda pelo menos mais 32 casos em que se suspeita de pushbacks para analisar.
A Frontex, que gere as fronteiras da União Europeia e é a sua maior agência, foi ainda acusada de encobrir as acções da guarda costeira grega, num relatório do organismo anti-fraude que ficou encarregado de investigar a agência. A agência não investigou casos em que havia imagens e informação de prováveis pushbacks, e chegou mesmo a retirar uma embarcação sua de um local onde estava prestes a haver uma acção do género para não ter de o testemunhar.
A revista alemã Der Spiegel e o diário francês Le Monde tiveram acesso ao relatório, e pediram às instituições europeias que o publicassem, o que foi recusado. A revista alemã decidiu publicá-lo quase integralmente este mês, sendo uma das razões para a publicação o poder servir para desmontar as alegações das autoridades gregas que rotineiramente classifica relatos de pushbacks e violações de direitos humanos como “fake news".