Raquel Martins, in Público online
Governo estima uma inflação de 7,4% e aponta para um aumento médio dos salários de 3,6% no próximo ano. Só cerca de 124 mil assistentes operacionais que estão na base da carreira e 84 mil assistentes técnicos terão subidas acima da inflação.
A proposta de aumentos salariais para a função pública para 2023, apresentada pelo Governo nesta segunda-feira, não permite responder à escalada dos preços, nem às reivindicações dos sindicatos que querem actualizações entre 7% a 10% e a revisão do subsídio de refeição. Mais de 70% dos trabalhadores do Estado terão actualizações inferiores à inflação prevista para este ano (e que o Governo estima em 7,4%) e apenas 30% conseguirão algum ganho do poder de compra.
Em cima da mesa está um aumento da base remuneratória da Administração Pública de 705 euros para 761,58 euros, o que permitirá que 123.607 trabalhadores vejam o seu salário subir 8%. Além disso, o Governo quer assegurar que quem recebe salários brutos até 2600 euros terá um aumento anual equivalente a 52 euros, garantindo que daí em diante as remunerações tenham, no mínimo, uma actualização de 2% no próximo ano.
Esta será a bitola para os próximos quatro anos, de modo a garantir que até ao final da legislatura, “todos os trabalhadores terão um aumento de, pelo menos, 208 euros”.
Está também prevista a revisão da Tabela Remuneratória Única (TRU), “num processo faseado ao longo da legislatura”, mas com efeitos já no próximo ano.
Uma das medidas a aplicar em 2023 dirige-se aos assistentes técnicos. Além do aumento regular previsto, receberão um adicional de 52,11 euros em Janeiro (perfazendo no total 104,22 euros), para que a diferença entre esta carreira e os assistentes operacionais seja assegurada.
O aumento médio de 10,7% abrangerá 84 mil assistentes técnicos, assim como trabalhadores de carreiras especiais equivalentes (militares, forças de segurança, administração local, guardas prisionais, entre outros), cujo número não foi avançado pelo Governo.
Se somarmos os trabalhadores na base da carreira com os assistentes técnicos – os únicos que terão subidas acima de 7,4% – conclui-se que apenas ganham poder de compra no próximo ano 207.607 mil pessoas, o correspondente a menos de 30% dos 741.698 funcionários públicos.
Os restantes 70% verão os seus salários actualizados, mas o valor em causa será insuficiente para fazer face à inflação que deverá registar-se no final de 2022.
Para a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, a proposta do Governo visa dar uma “resposta justa e progressiva” aos funcionários públicos, tendo em conta as “disponibilidades orçamentais” e lembrou que o aumento dos preços afecta sobretudo os trabalhadores com salários mais baixos.
“Ninguém pode dizer que esta proposta não procura ser justa e equilibrada”, acrescentou num encontro com jornalistas, frisando que o Governo “foi o mais longe que podia ter ido” mas há margem para “pequenos acertos”.
Os sindicatos saíram das reuniões desiludidos, considerando a proposta “insuficiente” para dar resposta à subida dos preços. Do lado do Governo, Mariana Vieira da Silva reiterou que fazer actualizações salariais ao nível da inflação registada seria “incomportável”.
Perguntas e respostas
Qual é a proposta de aumentos salariais para a função pública em 2023?
O Governo propôs aos sindicatos um acordo plurianual que prevê aumentos entre 8% e 2% em cada ano até ao final da legislatura. A base remuneratória da Administração Pública passa de 705 para 761,58 euros, o que corresponde a um aumento de 8%. Daí em diante, o aumento percentual vai sendo progressivamente menor, mas garantindo um aumento anual de cerca de 52 euros para os salários até 2600 euros. A partir deste montante, os trabalhadores terão, pelo menos, um aumento de 2%.
De acordo com as contas do Governo, a subida média dos salários, em Janeiro de 2023, será de 3,6%.
Isso significa que os trabalhadores da Administração Pública perdem poder de compra em 2023, uma vez que o Governo fala numa inflação de 7,4% este ano e o Conselho de Finanças Públicas em 7,7%?
Para mais de 70% dos 741.698 funcionários públicos o aumento previsto será insuficiente para fazer face à inflação, o que significa que irão perder de compra.
Só terão aumentos acima da inflação os 123.607 assistentes operacionais na base da carreira e os 84 mil assistentes técnicos que receberão um complemento em 2023, assim como um número ainda por determinar de outras carreiras especiais.
Sou assistente operacional e ganho 705 euros brutos. Quanto vai aumentar o meu salário no próximo ano?
Há 123.607 trabalhadores nesta situação: terão um aumento de 8% (mais 56,58 euros brutos) e o seu salário passa a ser de 761,58 euros mensais.
Há alguma medida para distinguir os assistentes operacionais que foram admitidos há pouco tempo na função pública e os que estão na base da carreira há mais de 15 anos?
Sim, o Governo decidiu criar um mecanismo para premiar a antiguidade destes trabalhadores, que acumulará com os aumentos regulares feitos em Janeiro de cada ano.
No momento em que os funcionários progridem na carreira, no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública (SIADAP), terão um aumento complementar. Quem tem mais de 30 anos de serviço sobe três níveis remuneratórios em vez de um nível e quem tem mais de 15 anos de serviço sobe dois níveis em vez de um.
Por exemplo, um assistente operacional que tem agora um salário de 705 euros e 31 anos de serviço terá um aumento de 8%, passando para os 761,58 euros. Caso reúna as condições para progredir na carreira em 2023, vai avançar para os 917,91 euros, em vez de ficar nos 813,69 euros. Na prática, este trabalhador verá a sua remuneração subir 30%.
Quem não progride em 2023 não terá direito a este complemento?
Quem não reúne as condições para progredir na carreira ao abrigo do SIADAP, em 2023, terá de esperar por esse momento para beneficiar do mecanismo.
Este mecanismo só abrange quem está na base da carreira?
Sim, só quem está na base é que será abrangido.
A remuneração base da carreira de assistente técnico também será alterada?
Essa mudança já foi feita em Julho deste ano, quando o primeiro nível remuneratório passou de 709,46 euros para 757,01 euros brutos. Em 2023, os trabalhadores neste nível salarial terão apenas o aumento previsto de 52,11 euros.
Como vai o Governo garantir a distância entre os salários dos assistentes operacionais e os dos assistentes técnicos?
Além do aumento previsto para todos os trabalhadores, os 84 mil assistentes técnicos receberão um adicional de 52,11 euros logo em Janeiro (perfazendo no total 104,22 euros), para que haja uma diferença de 100 euros entre as duas carreiras.
Também serão abrangidos por esta medida trabalhadores de carreiras especiais como os militares, forças de segurança, administração local, guardas prisionais, entre outros, mas o número não foi avançado pelo Governo.
Na prática, as pessoas nesta situação terão um aumento médio de 10,7% em 2023.
A revisão da Tabela Remuneratória Única (TRU) anunciada pelo Governo também abrange os técnicos superiores?
Sim. Além do aumento previsto para Janeiro de 2023, está previsto receberem um complemento de 52 euros.
Quando é que isso acontecerá? Também será no momento das progressões?
Não. Esse complemento será atribuído num dos anos até ao final da legislatura, num processo ainda a negociar com os sindicatos. A intenção do Governo é começar pelos técnicos superiores que têm salários mais baixos já no próximo ano e depois estender aos restantes.
Todos os técnicos superiores receberão esse complemento?
Não, as duas posições salariais da base da carreira não serão abrangidas, uma vez que já tinham sido actualizadas em Julho deste ano (em 47,55 euros no caso dos estagiários e em 52 euros no salário de ingresso). Assim como os salários dos técnicos superiores com doutoramento, que tiveram um incremento de 400 euros na mesma altura.
As medidas agora anunciadas têm alguma implicação com as progressões obrigatórias ou gestionárias no quadro do SIADAP?
O Governo garante que as progressões vão fazer-se normalmente, até porque 2023 é o ano em que os resultados do ciclo avaliativo 2021/2022 terão efeitos. O executivo prevê que, no próximo ano, mais de 121 mil trabalhadores tenham, pelo menos, uma progressão ou promoção.
O subsídio de refeição vai ser alterado?
A revisão do valor do subsídio de refeição (que agora é de 4,77 euros) não faz parte da proposta do Governo, embora seja uma das reivindicações dos sindicatos. Foi preciso “fazer escolhas”, justificou a ministra da Presidência.
Quanto custarão as medidas que têm efeitos em 2023?
A proposta terá um impacto orçamental de 1200 milhões de euros, o que, na perspectiva do Governo, é um “esforço financeiro significativo”, face aos 680 milhões de euros de 2022.
O aumento dos salários custará 738 milhões de euros, as medidas de revisão da Tabela Remuneratória Única terão um impacto de 142 milhões e as progressões na carreira e as promoções de 284 milhões de euros.