Por ECO e Lusa
No primeiro ano de pandemia, o número de pessoas em risco de pobreza ou de exclusão social aumentou 12,5% face a 2019. Foi a primeira vez desde 2014 que este número cresceu.
Em 2020, o número de pessoas em risco de pobreza ou de exclusão social aumentou 12,5% face a 2019. O ano da chegada Covid-19 marcou o primeiro ano desde 2014 em que cresceu o número de desfavorecidos cresceu, segundo os dados da Pordata para o Dia Internacional da Pobreza, citados pelo Diário de Notícias (acesso livre), pelo Jornal de Negócios (acesso pago) e Público (acesso condicionado).
“Portugal desviou-se da trajetória de redução da pobreza que vinha a fazer desde 2014. Em 2020 houve um agravamento. Sem os apoios sociais, 4,4 milhões são pobres ou têm rendimentos abaixo do limiar da pobreza [554 euros mensais], o que passa para 1,9 milhões após as transferências sociais”, afirma Luísa Louro, diretora da Pordata.
Nesse sentido, Portugal está ainda longe de atingir a meta de ter menos 765 mil pobres até 2030. Já no que diz respeito ao risco de pobreza ou de exclusão social, Portugal recuou a níveis de 2017 (43,7 % contra 43,5 %). Em relação aos 27 países da União Europeia, Portugal é o segundo em que há mais pessoas a viverem em más condições materiais, isto é, em alojamentos com más condições, com 25% da população nesta situação.
Instituições recorrem mais ao Banco Alimentar para enfrentar aumento de famílias carenciadas
O aumento generalizado do preço dos alimentos, a par do gás e da eletricidade, está a ter impacto nas instituições sociais, que fazem mais pedidos ao Banco Alimentar para conseguirem apoiar o número crescente de famílias que pedem ajuda.
O fenómeno, apesar de ainda não estar quantificado, já é sentido no Banco Alimentar Contra a Fome (BA) desde há algum tempo, com um aumento de pedidos por parte das instituições, não só porque têm mais famílias a pedir-lhes ajuda, como as próprias instituições “precisam de mais dinheiro para fazer face ao custo dos consumos das suas próprias cozinhas”, adiantou a presidente do BA, Isabel Jonet.
A ‘Ajuda de Mãe’ é uma das instituições que recebe bens alimentares através do Banco Alimentar, que usa, não só para a confeção de refeições nas três residências, onde acolhem grávidas adultas e adolescentes ou mães adolescentes com os seus bebés, mas também para a entrega de cabazes com alimentos e confeção de refeições no refeitório.
Em declarações à agência Lusa, a presidente desta associação de solidariedade social contou que em 2021 prestaram apoio a 1.200 famílias de mães grávidas com bens de primeira necessidade, além do apoio social e psicológico.
Madalena Teixeira Duarte adiantou que a Segurança Social atualizou em 2022, e desde janeiro, o valor das comparticipações pagas às instituições e que o reforço da verba paga para os acolhimentos residenciais também foi superior ao habitual “para fazer face ao aumento do custo de vida”, mas garante que “não é suficiente”.
“Só para lhe dar um exemplo: noutro dia estava a falar com a responsável por uma das residências, que me dizia que tudo o que dantes gastávamos em carne dava para dois meses e agora não chega para um mês e meio”, exemplificou, admitindo que isso possa vir a ter como consequência que mães e bebés tenham que “comer ligeiramente diferente”.
Por outro lado, apontou que a ‘Ajuda de Mãe’ está a apoiar mais famílias – em 2021 ajudou cerca de 700 – com a entrega de produtos de higiene ou fraldas porque também estes bens ficaram mais caros e, por isso, difíceis de adquirir por estas pessoas.
C. Lopes chegou a Portugal com a família, vinda do Brasil, em novembro do ano passado. Desempregada desde o sétimo mês de gravidez, precisou de recorrer à ‘Ajuda de Mãe’ há cerca de quatro meses, quando soube que teria de comprar medicamentos específicos para a asma e pele atópica de um dos seus três filhos e percebeu que só com o salário de cerca de 740 euros do marido não seria possível fazer face a todas as despesas de uma família de quase seis pessoas.
Da ‘Ajuda de Mãe’ tem agora “bastante suporte na gestação, cuidados, ajuda de alimentação”, esta última na forma de um cabaz de alimentos que chega a casa de C. com “o básico”, desde arroz, massa, feijão, azeite, “às vezes biscoitos para as crianças”, iogurtes, entre outras coisas. Carne, peixe ou fruta já tem de ser a família a comprar.
“Economizamos em tudo, em gás, em água. Agora também comecei a receber um cabaz da junta de freguesia e juntando os dois, um pouquinho daqui, um pouquinho dali, dá para poder passar o mês”, contou. Quando chegou em novembro, C. encontrou os produtos alimentares com “valores bem diferentes do que estão agora”.
“Coisas que eu comprava para as crianças, não compro agora. Eles gostam de bastantes frutas, verdura. O que eu compro nesta semana, [na] semana que vem já não compro por conta do preço. Os biscoitos aumentaram, o pão aumentou. Tem muita coisa de que eles gostam que eu não compro como no inicio. Aumentou tudo, na verdade”, lamentou. Ainda assim, e apesar das dificuldades, a segurança e a qualidade da escola pública justificam a decisão de imigrar para Portugal.
Segundo a presidente da ‘Ajuda de Mãe’, a instituição recebe do Banco Alimentar produtos bens como arroz, massa ou enlatados, com os quais ajuda cerca de 60 famílias e fornece as residências, enquanto de outros parceiros vêm as fraldas ou os produtos de higiene. Uma grande superfície doava o peixe, mas outro tipo de alimentos, como carne, fruta, legumes ou ovos é a própria instituição que tem de comprar.
Para fazer face a essa, como a outras despesas, a instituição também tenta criar fundos próprios e Madalena Teixeira Duarte contou que foi criado um projeto de combate ao desperdício em que os excedentes alimentares, e alguns donativos, eram transformados em doces e compotas, que depois eram vendidos no Natal. “De repente, o açúcar passou de 0,89 euros para 1,29 euros. Agora de que maneira é que as nossas compotas vão ser vendidas”, questionou.
A responsável alertou que “isto são tudo dificuldades que as instituições enfrentam”, não só no que compram no dia-a-dia, mas também com o aumento do preço do gás ou da eletricidade, mas também porque lhes “restringe esta capacidade de angariação de fundos que depois iria contribuir para o apoio efetivo” de famílias.
Segundo a presidente da ‘Ajuda de Mãe’, o aumento do custo de vida vai obrigar a instituição a repensar gastos e se calhar a abdicar de alguns projetos, já que aliado ao aumento dos preços estará o aumento do salário mínimo nacional em 2023.
Madalena Teixeira Duarte receia que o futuro vá “ser um tempo difícil”, com cada vez mais pessoas a pedir ajuda junto das instituições, uma realidade que a presidente do Banco Alimentar constata diariamente, quando abre os mails que chegam à sua caixa de correio eletrónico.
Segundo Isabel Jonet, para já, há mais pedidos de ajuda, mas ainda não há redução no número de doações, tendo em conta que a mais recente campanha de recolha decorreu em maio e a próxima será no final de novembro. Ao mesmo tempo, o volume doado pela indústria e pela agricultura mantém-se inalterado, o que poderá querer dizer que ou ajustaram a produção ou mantêm o volume de vendas.
Defendeu que deve ser explicado às famílias que a conjuntura atual não é de curto prazo e alertou que a inflação vai refletir-se por largos meses nos orçamentos das famílias, com “maior incidência nas famílias mais carenciadas porque não têm folga orçamental”.
Para a presidente do BA, é, por isso, “muito previsível que vá aumentar o número de pessoas que vão ficar numa situação muito difícil e em pobreza”, tendo em conta o aumento dos preços dos alimentos, da energia e das taxas de juro em simultâneo.
(Notícia atualizada às 9h02 com mais informação)