6.10.22

Há mais hospitais a ultrapassar o tempo máximo para uma consulta de saúde mental

Daniela Carmo, in Publico online

Dados recolhidos no Portal dos Tempos Médios de Espera indicam que, em relação a 2021, em geral, os tempos de espera agravaram-se, sobretudo na psiquiatria da infância e da adolescência. Portugal tem 136 pedopsiquiatras no SNS. Juntos, Algarve e Alentejo têm apenas três.

Há mais hospitais a ultrapassar este ano o tempo máximo de resposta garantido (TMRG) para uma primeira consulta de psiquiatria de adultos e de pedopsiquiatria. É, aliás, para as crianças e adolescentes que a espera por uma consulta é mais prolongada, de acordo com os dados recolhidos pelo PÚBLICO no Portal dos Tempos Médios de Espera, com os dados referentes ao período entre Maio e Julho. Quanto à psiquiatria de adultos, a resposta pode demorar até seis meses, cenário que já se verificava há um ano.

Segundo a análise do PÚBLICO, por comparação com os dados noticiados em Outubro de 2021, a pedopsiquiatria é a área que mais preocupa. Contam-se actualmente sete hospitais onde o tempo de resposta vai além dos 150 dias (cinco meses) definidos como TMRG para crianças e jovens de prioridade normal (há ano, nenhum hospital ultrapassava essa barreira nesta especialidade).

Também para os doentes prioritários sete hospitais não conseguem cumprir o TMRG (dois em 2021). Já quanto aos muito prioritários, o cenário parece ser de melhoria, uma vez que há menos um hospital a ir além dos 30 dias definidos para uma primeira consulta (são agora dois).

Em 2021, o PÚBLICO noticiava que a espera maior se verificava no Hospital de Braga, onde as crianças e jovens muito prioritários podiam esperar até três meses (93 dias) por uma consulta. Um ano volvido, esse número desceu para os 74 dias.

Também no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, a espera pode ir além do definido como TMRG, situação que se prolonga desde 2021, quando a demora era de 36 dias. De acordo com o portal do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a resposta naquela unidade de saúde subiu para os 50 dias (quase dois meses). No ano passado, também o Hospital Nossa Senhora da Graça (Tomar) ultrapassava a resposta máxima garantida para os muito prioritários de pedopsiquiatria, mas este ano essa situação já não se verifica. O site dá conta de que não foram feitas consultas para essa prioridade entre Maio e Julho, lendo-se “não aplicável” nessa secção.

O portal do SNS apresenta os dados do tempo médio de resposta à primeira consulta hospitalar (em dias), “por especialidade e prioridade, pedida pelos cuidados de saúde primários e entidades externas”, e são tidos em conta os dados recolhidos entre Maio e Julho do ano corrente. Ainda segundo a informação do portal, o tempo máximo de resposta garantido (TMRG) fixa-se nos 30 dias para utentes muito prioritários, 60 dias no caso dos prioritários e 150 dias (cinco meses) para a prioridade normal.

Muitas vezes, o que acontece, e que já verifiquei com equipas no terreno, é que quando mando, por exemplo, os meus jovens estagiários enviar um jovem para o hospital, o jovem não consegue ser atendido e isto acontece exactamente por causa dessas listas de espera. Margarida Gaspar de Matos, psicóloga especializada em jovens

136 pedopsiquiatras no SNS

De acordo com Ana Matos Pires, coordenadora regional da Saúde Mental da Administração Regional de Saúde do Alentejo, a carência de pedopsiquiatras é, de facto, “muito preocupante”. “Existem 100 em todo o país” e é a Sul que se verificam as maiores dificuldades: “No Alentejo inteiro há duas [pedopsiquiatras] — uma em Beja e outra em Évora — e no Algarve está um com horário reduzido.”

O PÚBLICO pediu dados mais finos à Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) quanto à distribuição de psiquiatras e pedopsiquiatras pelo país. De acordo com a ACSS, em resposta escrita enviada ao PÚBLICO nesta quarta-feira, estavam 136 pedopsiquiatras com contrato activo no SNS, em Agosto deste ano. A maior fatia encontra-se em Lisboa e Vale do Tejo (56), seguindo-se o Norte (54), o Centro (23), o Alentejo (dois) e o Algarve (um).

Também foram enviadas questões ao Ministério da Saúde relativas aos tempos de resposta que vão além dos máximos definidos, mas que ficaram sem resposta.

“É muito preocupante e diria que é representativo do estado geral em que está o Serviço Nacional de Saúde. Obviamente que a dificuldade de fixação de clínicos no interior é uma realidade. Aliás, das 78 vagas de psiquiatria do último concurso, se não estou em erro, houve 56 candidatos e foram ocupadas, no país inteiro, 38 vagas [48,7%]. É claro que quem quiser, neste momento, ficar a trabalhar no privado, com muito menos chatices e muito mais dinheiro, não passa pelo SNS e muito menos pelas zonas carenciadas”, desenvolve Ana Matos Pires.
 



Também Margarida Gaspar de Matos, psicóloga especializada em jovens, psicoterapeuta e professora catedrática da Universidade de Lisboa, sublinha que “sem recursos humanos é difícil andar para a frente”. “Penso até que somos o país com menos rácio de pedopsiquiatras por criança, estamos muito mal. Não temos pedopsiquiatras que cheguem para nada. Mas, por exemplo, poderíamos ter psicólogos formados para muito mais e também não há estruturas de contratação”, lamenta.

E ressalva que “é preciso olear os circuitos”, porque “a comunicação entre serviços não funciona”. A psicóloga dá ainda um exemplo: “Muitas vezes, o que acontece, e que já verifiquei com equipas no terreno, é que quando mando, por exemplo, os meus jovens estagiários enviar um jovem para o hospital, o jovem não consegue ser atendido e isto acontece exactamente por causa dessas listas de espera.”
Aumento da procura condiciona resposta

Prova disso é, por exemplo, a demora constatada em Braga para as crianças e jovens com prioridade “normal”: a resposta a uma primeira consulta de pedopsiquiatria pode chegar quase a um ano (341 dias, segundo o Portal dos Tempos Médios).

Questionada pelo PÚBLICO sobre que razões podem justificar esta realidade, a administração do Hospital de Braga esclarece, em resposta escrita, que “tem vindo a constatar um aumento de pedidos de primeira consulta da especialidade de pedopsiquiatria, incremento que excede a actual capacidade de resposta”.

“É importante referir que, simultaneamente, existe uma dificuldade generalizada quanto ao preenchimento de vagas nos concursos de especialistas de pedopsiquiatria. A título de exemplo, no último concurso de especialistas, o Hospital de Braga não conseguiu preencher qualquer vaga”, acrescenta ainda.

Quanto ao tempo de resposta, o hospital dá conta de que está “a trabalhar activamente para reduzir os tempos médios de espera da Consulta de Psiquiatria da Infância e da Adolescência” e que, no último dia de Agosto, “encontravam-se a aguardar três utentes muito prioritários com tempo médio de espera de 61 dias [dois meses], 18 utentes prioritários com tempo médio de espera de 79 dias e 432 utentes triados com prioridade normal com tempo médio de espera de 192 dias”.
Adultos podem esperar meio ano

Já na psiquiatria de adultos o cenário melhora um pouco: é no Hospital Distrital de Chaves que se demora mais a ter uma primeira consulta, com um tempo médio de espera de 195 dias (seis meses e meio) para utentes com prioridade normal. Para esta prioridade, contam-se quatro hospitais que vão além do TMRG — além de Chaves, a demora é maior do que os cinco meses definidos no Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde (177 dias), Hospital Dr. José Maria Grande, em Portalegre (173), e no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures (151).

Para os utentes prioritários há oito hospitais que não conseguem dar resposta no tempo máximo definido de dois meses, podendo, no pior dos casos, a espera ir até aos quatro meses. Já os muito prioritários (um mês de tempo máximo de resposta) podem ter de aguardar até três meses.

No sentido inverso, a resposta mais célere, para os adultos muito prioritários, é garantida pelo Hospital Distrital das Caldas da Rainha, com três dias de espera para a primeira consulta de psiquiatria. O Hospital de Magalhães Lemos, no Porto, demora 17 dias para atender um doente prioritário. No caso da prioridade normal, é em Tomar (Hospital Nossa Senhora da Graça) e no Hospital de Cascais que está a resposta mais rápida do país, com um mês de espera (34 dias).

De acordo com a resposta da ACSS ao PÚBLICO, existem no país 649 médicos psiquiatras. À semelhança do que acontece na psiquiatria da infância e da adolescência, também nos adultos a maior fatia de especialistas está em Lisboa e Vale do Tejo, com 252 psiquiatras. Segue-se o Norte (237), o Centro (120), o Algarve (23) e o Alentejo (17).

Para as consultas hospitalares de psicologia, no portal dos tempos médios de espera não constam quaisquer estabelecimentos de saúde onde a demora vá além do definido como máximo. Segundo os dados da ACSS, há um total de 1091 psicólogos no SNS — 534 nos cuidados de saúde primários, 532 nos cuidados hospitalares e 25 nos serviços centrais.

SNS reforça resposta com 40 psicólogos. Concurso dura há quatro anos

O Governo abriu, em Agosto de 2018, um concurso para admissão a estágio, com vista à atribuição do grau de especialista no ramo de Psicologia Clínica, de 40 profissionais para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Foram admitidos 2527 candidatos e, até ao momento, nenhum foi colocado. Numa resposta escrita enviada esta semana ao PÚBLICO, a ACSS esclarece que o concurso está agora em "fase de apreciação dos recursos interpostos pelos candidatos, estimando-se que a convocatória para a escolha dos locais de estágio seja realizada durante o mês de Outubro".

"Realça-se que o concurso para admissão a estágio para o ramo de Psicologia Clínica visa dotar os candidatos de formação nos cuidados de saúde primários no SNS. O concurso encontra-se a decorrer, cumprindo as diferentes etapas necessárias à sua conclusão", lê-se ainda na mesma resposta.

Para o bastonário da Ordem dos Psicólogos, Francisco Miranda Rodrigues "é urgente simplificar procedimentos". "Pior do que estarem estes 40 profissionais à espera, estão as pessoas que precisam de ter apoio e não têm acesso", sublinha.

E questiona: "Quanto é que custa deixar agravar uma situação que não é de doença, é de sofrimento psicológico, que com uma intervenção rápida se resolve e evita-se que se vá parar a uma depressão, por exemplo? Ou para uma perturbação que depois exige medicação? Há uma baixa e a pessoa deixa de produzir, subsequentemente afecta a família. O custo disto, quanto é que isto custa à economia?"