6.10.22

EAPN Beja defende que é preciso dar condições para quem vem para o Alentejo

in a Voz da Planície

A EAPN Portugal/Rede Europeia Contra a Pobreza apresenta-se como “a voz” do cidadão em situação de pobreza ou exclusão social. O presidente do Núcleo de Beja considera que o Alentejo tem oportunidades, mas faltam-lhe meios para fixar pessoas, com condições vida.

João Martins, presidente do Núcleo Distrital de Beja da EAPN Portugal/ Rede Europeia Contra a Pobreza, explica que o núcleo engloba um conjunto de associados (particulares, individuais e institucionais) e conta com um técnico a nível nacional, que neste caso é Anselmo Prudêncio, que trabalha em permanência e faz a ponte e ligação com os diferentes parceiros que compõem a rede. A EAPN em Portugal está sediada no Porto.

Da equipa fazem igualmente parte outros parceiros voluntários, como é o caso do presidente, João Martins. Todos os anos recebem estagiários, numa colaboração com o Instituto Politécnico de Beja, bem como contam o apoio de cidadãos, por vezes já reformados.

No que diz respeito à pobreza, o responsável diz que os dados pós-pandemia apontam para um aumento da pobreza em Portugal, e consequentemente no distrito de Beja. De qualquer das formas, João Martins refere que o distrito sofreu transformações recentes em vários setores de atividade, sobretudo no agrícola, “o que estimulou diferentes domínios e novas necessidade de mão de obra”.

Em particular no Alentejo, continua-se a observar, à data de hoje, a difusão de ofertas de emprego semanais, enquanto que, por outro lado, a região confronta-se com falta de mão obra.

Dentro desta “falta”, João Martins distingue dois tipos de níveis mão de obra: uma que é sazonal e outra que é qualificada.

Do ponto de vista deste “tipo de pobreza”, da falta de emprego, “a região mudou muito”, sublinha. “O facto de sermos uma região de baixa densidade e hoje com novos desafios empresariais, faz com que haja uma grande pressão na procura de mão de obra”, sendo esta uma realidade que se vive no distrito.

Para além do mais, a região enfrenta grandes desafios, como o envelhecimento da população, é o distrito com mais presença de comunidades ciganas, e aqui é onde efetivamente existem fenómenos de pobreza. Lembra que “às portas de Beja” vive uma “comunidade que todos conhecem, com situações de condições de vida muito precárias, nada dignas para qualquer tipo de ser humano, um problema muito complexo que está por resolver”.

Nos dias que correm surgem outros problemas emergentes, relacionados com a falta de trabalhadores. Como há oportunidades, mas falta de pessoas em Portugal, recorre-se muitas vezes à imigração. No entanto, defende que é fundamental haver medidas de algum controle e de acolhimento, de forma a “dar condições de dignidade para quem vem para o nosso País trabalhar”.

“Ninguém concorda que exista mão de obra escrava ou que Portugal se transforme numa plataforma de tráfico de seres humano, como tem sido denunciado pelo órgãos de comunicação social”, impondo-se assim a necessidade de desenvolver “mecanismos de fiscalização” para uma situação que já tem vindo a ser reportada também à Rede Europeia.

Outra questão importante que João Martins defende é que não é só preciso pessoas para trabalhar, é preciso que se fixem no território, com dignidade, com trabalho que seja devidamente remunerado, com contratos de trabalho e com habitações condignas.

As habitações são um problema que preocupa bastante a EAPN. Verificam-se abusos e aproveitamento da situação de fragilidade destas pessoas, em que as casas são habitadas por um número muito superior à sua capacidade e em condições com pouca dignidade, indica o responsável.

Este é um “fenómeno novo”, que também se pode chamar de pobreza. Trata-se de uma “nova dimensão” que as entidades devem encarar e agir, envolvendo todo um conjunto de esforços e criar políticas a este nível.

Destaca que, em 2019, os indicadores mostraram que a taxa de pobreza tinha diminuído. Há oportunidades com “potencial económico incrível”, e nesse ponto de vista o Baixo Alentejo é “rico em recursos”, tem é tido dificuldade em captar e fixar esses recursos e em dar resposta a quem quer investir na mão de obra, o que leva a recorrer a mão de obra estrangeira.

Questionado sobre os impactos da pandemia covid-19 e agora, mais recentemente, das consequências económicas do conflito na Ucrânia, o presidente do Núcleo diz que a pandemia de facto já tinha colocado em situação de dificuldade muitas pessoas, empresas e negócios familiares, e por isso, depois de 2019 os números serão diferentes.

De seguida surge uma guerra que afeta a Europa, não há ainda dados distritais, contudo, de acordo com os parceiros da rede, há uma maior procura de alimentos e de outros bens, para a qual não há correspondência às necessidades que surgem, por parte das entidades que têm essas competências e que dão este tipo de apoio, frisa João Martins.

Alerta que podemos estar perante uma situação de “emergência alimentar”, e que, mesmo sem dados oficiais, “todos nós, até cidadãos comuns, sentimos na pele o que é o aumento dos preços diários, desde logo no supermercado, e a somar a isso, as faturas de energia, e consequentemente o aumento dos combustíveis, inflação, e das taxas de juro”.

“Se isto continuar nesta escalada crescente, tememos que os problemas que já se começam a sentir por parte de algumas famílias, possam trazer novos fenómenos de pobreza”, ressalta.

É uma situação à qual devem estar atentos e trabalhar na própria prevenção, onde, de acordo com o responsável, “o Alentejo tem a vantagem de capacidade produtiva, para além do regadio há uma superfície agrícola útil, e por isso temos de estar preparados, numa lógica tanto quanto possível, para termos capacidade de garantir alguma autossuficiência alimentar”.

A escalada do aumento dos preços é um fenómeno que a entidades têm de continuar a acompanhar e, em conjunto, encontrar soluções, apesar da região e do País estarem muito “reféns” de um contexto global, considerando que este não é um problema exclusivo de Portugal e que a Europa, principalmente, está a ser penalizada.

Sobre medidas e ações que a EAPN Portugal tem vindo a aplicar, o responsável destaca uma das políticas que a rede segue que é “ouvir as pessoas em situação de pobreza”, dando voz às pessoas que “melhor sentem” estes problemas, no sentido de encontrar soluções.

Com base nesta “consciência dos problemas”, a Rede Europeia tem sido uma peça importante na definição de políticas de combate à pobreza e exclusão social e na defesa de pessoas mais pobres. Neste âmbito, contribuiu para a Estratégia Nacional de Combate da Pobreza, “algo que o governo não tinha e que aprovou”, fruto do trabalho em rede da EAPN, na sua intervenção não só ao nível do distrito de Beja, como também da articulação entre os núcleos a nível nacional.

O Núcleo Distrital de Beja tem também ações no território de divulgação de informação diária, ao nível de emprego ou de ações de formação, e de uma forma geral faz a ponte entre pessoas e oportunidades.

Trabalham na área investigação, os diagnósticos estão sempre a ser atualizados, diz o presidente do Núcleo. “As coisas mudam hoje com uma velocidade incrível, e temos de ter capacidade de diagnóstico em permanência”, bem como “medidas que contrariem situações novas que surjam”, nomeadamente de exclusão social e pobreza.

Relativamente à Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, aprovada em dezembro de 2021, a Rede tem conhecimento de que foi apontada pelo Governo uma das medidas contempladas no documento, que visa tirar da pobreza 170 mil crianças até 2030, e congratula-se por a tutela ter começado a aplicar ações concretas e avançar com o que está definido.

“A voz da rede, que é, no fundo, a voz dos cidadãos e de todos os que querem combater a pobreza”, já tem essa estratégia aprovada e começa a ver a aplicação de medidas. João Martins aconselha, a quem tenha curiosidade, a ler a própria estratégia disponibilizada no site da EAPN Portugal e conhecer a profundidade da mesma.