16.6.10

Espera nas consultas prioritárias muito acima do que a lei prevê

Por Alexandra Campos, in Jornal Público

Há cada vez mais pessoas à espera de uma primeira consulta de especialidade: em 2009, houve cerca de 700 mil pedidos, mais 224 mil do que em 2008


A lei determina que o tempo máximo de espera por uma consulta de especialidade muito prioritária não deve ultrapassar um mês. Mas no ano passado os doentes a aguardar pelas primeiras consultas hospitalares mais urgentes esperavam o dobro do tempo, em média. E, nos casos da Oftalmologia, a espera média atingia os 123,5 dias, quatro vezes mais do que a lei prevê. Em 2009, aliás, dos mais de 700 mil pedidos de primeira consulta de especialidade enviados pelos médicos dos centros de saúde para os hospitais (contra cerca de 476 mil, em 2008), cerca de um terço teve de transitar para este ano.

São dados adiantados no relatório de 2010 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), que, agora com o apoio da Fundação Gulbenkian, começou a montar uma metodologia para efectuar uma análise rigorosa do programa Consulta a Tempo e Horas. Depois de centrar anos a fio as suas críticas nas listas de espera para cirurgias, conseguidas melhorias substanciais a este nível, o OPSS decidiu este ano desviar a sua atenção para os prazos de resposta nas primeiras consultas hospitalares de especialidade. O objectivo é monitorizar anualmente o grau de aplicação da Lei 41/2007, que definiu tempos máximos de espera (de um, dois e cinco meses, para casos muito prioritários, prioritários e sem prioridade, respectivamente).

As conclusões de um primeiro estudo nas especialidades de Oftalmologia e Gastrenterologia não são animadoras: a resposta é "deficiente, muito desigual entre hospitais" e há grandes assimetrias regionais. A situação é mais grave na Oftalmologia. Em 2009, dos mais de 128 mil pedidos de consulta, mais de metade transitaram para este ano. Em Lisboa e Vale do Tejo, foram realizadas apenas 22 por cento das consultas. O facto de os casos muito prioritários e prioritários ultrapassarem significativamente os valores garantidos leva mesmo os autores do relatório a questionar se os prazos definidos pela lei não deveriam ser revistos. "Não temos a certeza se aquilo que foi estipulado é adequado ou não", comenta Ana Escoval, uma das coordenadoras do observatório, que diz ser necessário agora olhar para as capacidades instaladas no sector público.

Num relatório sintomaticamente intitulado Desafios em tempos de crise, o OPSS avisa ainda que algumas das recentes medidas contra a crise decretadas pelo Ministério da Saúde podem pôr em causa a qualidade dos cuidados de saúde. "Os cortes não devem ser cegos", nota Ana Escoval, para quem chegou a hora de se avançar com algumas medidas "estruturantes". É preciso ver onde é possível "emagrecer", porque há "capacidades instaladas excessivas", defende.

Os autores do relatório lembram, a propósito, que a sustentabilidade financeira do SNS, principalmente dos hospitais, assume já "contornos preocupantes" e se agravará no futuro.

Os investigadores do OPSS concluem também que muitos dos factores que determinam a evolução e sustentabilidade dos nossos sistemas de saúde começam a deslocar-se para fora do espaço nacional e dá o exemplo do recente acordo político na directiva sobre a mobilidade dos doentes na UE. "Isto vai-se passando perante a gritante falta de informação, análise e debate no país".