Manuel Igreja, in Diário de Trás-os Montes
No mesmo serviço noticioso em que se falou da lista das pessoas mais ricas do mundo, este ano acrescentada com mais uns poucos que atingiram fortunas pessoais ou familiares do tamanho de uma montanha, falou-se igualmente de situações de estudantes universitários que abandonam a frequência dos cursos por falta de posses, e de crianças que nas respectivas escolas, comem a primeira e única refeição diária por pobreza dos pais.
Nestes tempos em que nos calhou a vez de vivermos, parece ser este o paradigma, num caminho cheio de contradições que a ser prosseguido mais não levará do que a um enorme precipício por via das tensões sociais que lhe estão subjacentes. O mundo transformou-se num barril de pólvora com rastilho já aceso. A questão coloca-se somente e cada vez mais no seu comprimento.
Paradoxalmente, permitindo os conhecimentos tecnológicos que resulte cada vez mais valor acrescentado em todas as actividades económicas, os recursos por sua vez estão cada vez mais afectados unicamente a uma crescentemente menor fatia da população em detrimento de todo o resto.
Libertando as máquinas o grosso da mão-de-obra, num verdadeiro suicídio das gerações futuras e de mais os equilíbrios demográficos inequivocamente essenciais para o equilíbrio das coisas, não se consegue abrir o mercado de trabalho aos mais novos ao mesmo tempo que se obrigam os mais velhos a penar em vidas laborais sem a devida produtividade por falta de capacidades físicas e mentais.
A geração que suportou as grandes mudanças nos modos de operar, está condenada a terminar os seus dias de labor em permanente sobressalto em quotidianos vividos sobre o fio da navalha. Foram os que agora estão na meia-idade ou para lá caminham, que fizeram a transição entre o mundo das contas de somar feitas a lápis e o mundo dos computadores que tudo parecem saber e tudo podem fazer com um simples carregar na tecla. Tiveram de se adaptar e de saber qual a letra própria a cada instante, e para onde enviar o pisco em cada situação.
Mereciam melhor ou pelo menos um mais descansado fim, mas só lhes indicam a porta da rua como o mais objectivo ponto da situação. Enquanto isso, a mais qualificada geração de que há memória, está condenada quando tem sorte, a vender muito trabalho por pouco dinheiro. Os que não estão no lugar certo na hora certa, arrastam-se por casa dos pais à espera que chova e que venham melhores dias, não se apercebendo quantas vezes que os cabelos se vão também branqueando.
As gerações não são sustentáveis no dealbar da segunda década do século vinte e um, o mais avançado de sempre, mas que está a andar às arrecuas por causa da injusta e insana distribuição da riqueza que se produz. Depois de nos habituarem por conveniência de que tem que escoar os produtos a níveis de vida nunca antes atingidos, mas sem dúvida merecidos, querem a toda a força que sejamos pobres depois de termos sido remediados.
Parece que a coisa não chega para todos. Dizem-nos isto, mas não é verdade. O bolo que são os recursos naturais e humanos dá e cresce. Quem comanda a faca que o parte é que diz o contrário. Pretende unicamente produzi-lo com custos mínimos, para que obtenha ganhos máximos, sem se preocupar com os ventos que semeia, ainda que saiba da inevitabilidade da tempestade.
Não será necessário, digo eu, ir-se a doutor de económicas em Coimbra, para se deduzir que o que está a matar as classes médias em todo o mundo ocidental, é a ganância dos que se limitam a especular na economia de casino, num jogo perigoso de que resultam nababos improdutivos que pouco mais fazem do que construir castelos de areia que se desmoronam à mais leve brisa.
Não admira pois então, que não seja de espantar, que enquanto se notícia e nomeia quem está pobre de rico, se revele que pessoas e mais pessoas que desejam estudar e não conseguem, e que se diga que crianças e mais crianças, querem um mero pão com manteiga e nem o cheirem, numa época em que supostamente a fome era vista como algo de eras idas ou de recantos do planeta com outras altitudes.
Infelizmente ela espalha-se olhos vistos sem poupar vítimas e sem escolher condição social. Mas já que a esperança deve ser a última coisa a morrer, vamos acreditar que a inteligência dos homens vai fazer com as coisas mudem para melhor. É mesmo isso que vai acontecer. Não acha?