3.8.12

Saúde mental. Intervir cedo poderia prevenir perda de 1,6 mil milhões de euros em Portugal

Por Marta F. Reis, in iOnline

Estudo a partir de uma amostra de 22 países, Portugal incluído, associa doenças mentais a perdas de rendimento


Não fazer prevenção da doença mental em idade escolar ou tratar crianças e jovens quando apresentam os primeiros sintomas de doenças psiquiátricas como depressão, ansiedade ou fobias pode significar a longo prazo, para um país como Portugal, uma redução de 1,4% no rendimento disponível bruto das famílias. Parece uma variação pequena, mas tendo em conta os dados de 2012 para este indicador, trata-se de uma perda anual de 1,6 mil milhões de euros.

A estimativa é de um estudo publicado esta semana na revista “Biological Psychiatry”, partindo do pressuposto de que se poderia intervir precocemente nestes casos eliminando estas condições na idade adulta – algo que, pelo menos na amostra, não aconteceu. O trabalho usou dados dos inquéritos do consórcio World Mental Health Surveys, onde Portugal participa. Não podendo ser completamente evitado, porque nem todas os casos serão tratáveis, é um risco que poderia ser reduzido, explicou ao i José Caldas de Almeida, especialista em saúde mental e coordenador da participação nacional. “É um exercício teórico, mas sabendo isto podemos estimar que estaríamos sempre a prevenir a perda de uma soma brutal. É um argumento muito forte.”

O estudo é dos primeiros publicados desde que os investigadores começaram a tratar os dados das entrevistas feitas no âmbito do consórcio para traçar o retrato epidemiológico da saúde mental. Da amostra global de mais de 150 mil inquiridos, foram usados dados de 37 mil adultos de 22 países, excluindo estudantes e desempregados. Nas entrevistas, que em Portugal decorreram em 2009 e 2010, foi pedida informação sobre sintomas e distúrbios detectados na altura em que os inquiridos tinham completado os estudos, assim como os rendimentos pessoais e familiares nos 12 meses anteriores ao inquérito. Com esta informação, os investigadores usaram modelos de estatística para apurar relações entre o início precoce de mais de 15 doenças e variações nos rendimentos familiares já na idade adulta, quando comparados com as medianas nacionais.

Fobias específicas ou depressão são as doenças que têm uma relação mais forte com os rendimentos futuros – no caso de jovens que manifestam sintomas de depressão, o risco de incapacidade em adultos é duas vezes superior. Mas é nas pessoas que chegam à idade adulta com mais de quatro distúrbios que começaram a manifestar-se na juventude, seja hiperactividade, depressão ou dependências, que se registam os maiores impactos: têm rendimentos familiares 16% a 33% inferiores à mediana do país, sendo o efeito mais forte entre as mulheres.

O estudo não discrimina informação por país, agrupando-os em três níveis de rendimento – elevado, médio e baixo. É no grupo dos países de elevado rendimento, onde Portugal entra, que surgem as correlações mais fortes. “Os dados sugerem que o aumento das exigências nas sociedades economicamente mais avançadas ‘desmascara’ défices funcionais menos evidentes quando os mesmos problemas emergem em países menos desenvolvidos”, comentou o editor da “Biological Psychiatry”.

Caldas de Almeida adianta que dados isolados para Portugal ainda não estão concluídos, mas a tendência noutras análises é sempre para o país apresentar uma desvantagem superior à dos outros países europeus. Os primeiros dados publicados, em 2010, revelaram que Portugal tem das maiores prevalências de doença mental, com um em cada cinco portugueses a reportar um distúrbio psiquiátrico detectado nos 12 meses anteriores e 43% ao longo da vida. “Os dados acabam por estar sempre ligados, seja de efeito na incapacidade para trabalho ou noutras doenças físicas.”

Os investigadores sublinham que, embora os modelos revelem resultados “dramáticos”, é impossível dizer de forma definitiva que percentagem das perdas poderia ser evitada, por falta de estudos sobre o impacto das intervenções precoces. Ronald Kessler, investigador da Harvard Medical School e coordenador do consórcio, entende que isso não é o mais importante: mesmo uma pequena redução na perda “pagaria” a intervenção. “A implicação política óbvia: os governos têm de investir mais no diagnóstico e tratamento atempado dos distúrbios que começam na infância ou adolescência. Mesmo que tipicamente pareçam ligeiros quando surgem, têm efeitos muito adversos a jusante”, disse ao i.