2.8.12

O aumento da pobreza em Portugal

por Eugénio Rosa, in Ribatejo

Dados recentes divulgados pelo INE revelam que a população no limiar da pobreza está a aumentar em Portugal atingido já 1.900.000 de portugueses. E o dramático é que 42,5% da população, ou seja, 4.488.000 só não estão na pobreza porque recebem prestações sociais pagas pelo Estado. A degradação destas ou mesmo a sua eliminação como está a acontecer atirará mais milhões de portugueses para o limiar da pobreza, o que significa privações do que é básico e essencial.

Um dos instrumentos que o governo está a utilizados para reduzir significativamente o número de portugueses necessitados a receber prestações sociais foi a alteração da chamada “condições de recursos” que é utilizada para estabelecer quem tem direito a receber apoio social do Estado. Como mostro no estudo que envio essa alteração determinou um aumento artificial do rendimento per-capita familiar que, em certos casos atinge 47%, o que determina a exclusão do direito a receber uma prestação social.

O AUMENTO DA POBREZA E DAS DESIGUALDADES EM PORTUGAL E COMO A “CONDIÇÃO DE RECURSOS” ESTÁ A SER UTILIZADA PARA GENERALIZAR A MISÉRIA

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Como os dados oficiais revelam a taxa de risco de pobreza após as transferências sociais está a aumentar em Portugal. Em 2010, 18% da população portuguesa, ou seja, 1.900.000 portugueses já viviam na pobreza. Esta situação resultava dos cortes significativos nas prestações sociais. E o dramático, como revelam também os dados do INE, é que 42,5% da população portuguesa, isto é, 4.488.000 portugueses só não vivem na pobreza devido a receberem prestações sociais, portanto se estas forem eliminadas ou mesmo reduzidas milhões de portugueses, já perto do limiar da pobreza, cairão rapidamente nela. Tenha-se presente que estes dados se referem a 2010, e depois dessa data a situação ainda se agravou mais, já que é intenção do actual governo proceder a cortes muito grandes nas despesas sociais do Estado (em 2012, estão previstos cortes de 1.440 milhões euros em prestações sociais e de mais 1.000 milhões de euros na saúde) para obter a redução do défice que o governo e “troika” acordaram.

Estes últimos dados do INE também confirmam a denuncia que temos vindo a fazer, de que a politica de austeridade do actual governo e da “troika” é uma politica iníqua, de classe, que está a atingir principalmente as classes de rendimentos mais baixas (trabalhadores, pensionistas, etc). Para além da própria Comissão Europeia ter confirmado isso através de um estudo que divulgou com a designação “The distribution efects of austerity mesures: a comparison of six EU countries que referimos num estudo anterior, agora o INE vêm também confirmar o mesmo.

Os dados do INE também revelam que todos os indicadores de desigualdade de rendimentos – Coeficiente de Gini, S80/S20 e S90/S10) – aumentaram entre 2009 e 2010 em Portugal. A diferença entre os ricos e os pobres está a aumentar no país: os ricos estão a tornarem-se mais ricos, e os pobres, que constituem a maioria da população portuguesa, recebem uma parte cada vez menor do rendimento produzido no país. Entre 2009 e 2010, o Coeficiente de Gini, que mede o nível de desigualdade existente num país, aumentou de 33,7% para 34,2%; o número de vezes que o rendimento dos 20% mais ricos da população é superior ao rendimento dos 20% mais pobres subiu de 5,6 para 5,7 vezes; e o numero de vezes que o rendimento dos 10% mais ricos da população é superior ao rendimento dos 10% mais pobres da população passou de 9,2 vezes para 9,4 vezes. A tendência de agravamento das desigualdades no nosso país é clara, e tenha-se presente que a situação piorou depois de 2010 com a politica de austeridade violenta e iníqua que está a ser imposta aos portugueses.

A ALTERAÇÃO DA CONDIÇÃO DE RECURSOS, QUE AUMENTOU ARTIFICIALMENTE O RENDIMENTO PER-CAPITA FAMILIAR EM MUITOS CASOS EM 47%, É UM EXPEDIENTE UTILIZADO PELO GOVERNO

O acesso a uma prestação social está dependente da chamada “condição de recursos”, ou seja, do nível rendimento per-capita familiar. Até à publicação do Decreto-Lei 70/2010, o rendimento per capita familiar obtinha-se, de uma forma geral, dividindo a soma dos rendimentos dos membros da família nuclear pelo número total dos seus membros. Cada membro valia 1, portanto se a família nuclear era constituída pelo pai, mãe e dois filhos, a soma dos rendimentos era dividido por 4.

O Decreto-Lei 70/2010 alterou profundamente a fórmula de cálculo do rendimento per-capita familiar determinando um aumento artificial do seu valor excluindo, desta forma, administrativamente centenas de milhares de portugueses do acesso a qualquer prestação social.

Em primeiro lugar alterou o conceito de agregado familiar incluindo nele também os “pais, sogros, padrasto, madrasta, filhos, enteados, genro, nora, avós, netos, irmãos, cunhados, tios, sobrinhos, bisavós, bisnetos, como consta do Guia Prática da Condição de Recursos da Segurança Social, e naturalmente os seus respectivos rendimentos.

Em segundo lugar, a soma dos rendimentos dos membros da família deixou de ser dividida pelo Total de membros da família, passando a ser dividida por um número muito menor que faz aumentar de uma forma artificial o rendimento per-capita familiar, já que não resulta do aumento dos rendimentos dos membros da família. Assim, de acordo com uma tabela de equivalências, constante do artº 5º do Decreto-Lei 70/2010, os membros do agregado familiar, para cálculo do rendimento per-capita, passaram a valer o seguinte

- Requerente (1º adulto): 1
- Por cada indivíduo maior (restantes adultos) : 0,7
- Por cada indivíduo menor (filhos, etc.) : 0,5

Como é evidente esta alteração teve graves consequências sociais, pois está a atirar dezenas de milhares de famílias portuguesas para uma situação de miséria.

Vamos utilizar exemplos que constam da informação disponibilizada no “site” da própria Segurança Social. Comecemos pelo exemplo sobre o subsidio social de desemprego.

Uma família constituída pelo pai, que está desempregado e que não recebe subsidio de desemprego, pela mãe que ganha 890 €, pela avó que tem um rendimento mensal de 510 € e por 2 filhos menores sem rendimentos, o que dá um rendimento familiar de 1.400 euros por mês. Se este rendimento familiar de 1400 € fosse dividido pelo número total de membros da família (5) obtinha-se um rendimento per-capita de 280 €, e o pai desempregado teria direito ao subsidio social de desemprego já que o limite máximo de rendimento per-capita para ter direito a este subsidio é de 335,38€ . Mas se aplicarmos a tabela de equivalências (o 1º adulto vale 1; os outros adultos valem apenas 0,7, e os filhos 0,5 cada), então aquele rendimento familiar terá de ser dividido não por 5, mas sim por 3,4 (1+0,07+0,7+0,5+0,5) o que dá um rendimento per-capita familiar, não de 280€ por mês mas sim 411,76 € (+47%), portanto um valor superior ao do rendimento máximo que se pode ter para se poder receber o subsidio social de desemprego, que é de 335,86€; portanto, como consta da própria informação da Segurança Social o pai desempregado, que não tem qualquer rendimento, fica sem direito a receber mesmo o subsidio social de desemprego (em Maio de 2012, entre 311,5€ e 345,96€ por mês). E tenha presente que em Maio de 2012 apenas 373 mil desempregados estavam a receber o subsídio de desemprego quando o número oficial de desempregados já era superior a 842 mil e, o desemprego efectivo, já atingia mais de 1.200.000 portugueses.

Mas a injustiça desta situação não se limita apenas aos desempregados. Esta manipulação da “condição de recursos” é aplicada a muitas outras prestações sociais com o objectivo claro de excluir as famílias necessitadas do apoio do Estado.

Vamos utilizar outro exemplo concreto que consta também da informação da Segurança Social disponível no seu “site”. E este refere-se aos subsídios sociais (subsidio social por risco clínico durante a gravidez; subsidio social por interrupção da gravidez; subsidio social por riscos específicos; subsidio social parental). O exemplo que é utilizado pela Segurança Social é de uma família constituída pelo pai, mãe, avó e dois filhos cujo rendimento total familiar é de 1.500 € por mês. Utilizando a tabela de equivalências referida anteriormente aquele rendimento da família é devido por 3,4 (pai: 1; mãe e avó: 2 x 0,7 = 1,4; 2 filhos menores : 2 x 0,5=1) , o que dá um rendimento por membro do agregado familiar de 441,18€. E a Segurança Social conclui (consta da sua informação): “ o requerente não teria direito ao subsidio uma vez que o rendimento mensal por agregado familiar é superior a 335,38€, que corresponde a 80% do valor do IAS” (indexante de Apoios Sociais). Se o rendimento desta família – 1500 € – fosse dividida pelo total dos seus membros (5), o rendimento per-capita familiar seria 300 € , portanto um valor inferior ao limite máximo admitido – 335,38 € – e esta família já teria direito ao subsidio social. No primeiro exemplo a mudança da fórmula de cálculo do rendimento per-capita familiar fez aumentar artificialmente o seu valor em 47%, já que passou de 280€ para 411,76€; neste caso a subida foi também de 47,1% pois passou de 300€ para 441,18€ .


Este governo manipula a definição da “condição de recursos” segundo as suas conveniências. Por ex., no regulamento de atribuição de bolsas de estudo a estudantes do ensino superior o rendimento per-capita considerado é já o obtido dividindo o rendimento total da família pelo numero total dos membros da família. Aqui uma família constituída por 3 adultos e dois filhos o rendimento total da família é dividido por 5. No caso das taxas moderadoras pagas no SNS, para avaliar “insuficiência económica” a fim de obter a isenção do pagamento da taxa moderadora, o rendimento per-capita familiar é obtido dividindo o rendimento total da família apenas pelos sujeitos passivos de IRS (artº 4º da Portaria 311-D/2011), que normalmente são 2 (no caso das famílias monoparentais mesmo com filhos é dividido apenas por um). Tudo isto é feito com o propósito de aumentar artificialmente o rendimento per-capita familiar, para assim excluir centenas de milhares de famílias necessitadas de qualquer apoio do Estado. É um governo e uma “troika” sem ética e qualquer sensibilidade social na sua afã de reduzir o défice orçamental, sem olhar a meios, para agradar os “mercados”, ou seja, os bancos, fundos, etc. É urgente alterar esta situação que está a gerar mais miséria em Portugal.