21.12.12

Desgovernados por intrujões

in Jornal de Notícias

Não sei se conhecem o Som da Rua, mas aviso já que pode ser enternecedor ouvir este coro, constituído por 40 sem- abrigo do Porto, que arrancou fartos aplausos quando atuou na Gulbenkian. Apesar de ser duro de ouvido e desafinado, ouço música quando leio, escrevo, conduzo, acordo e adormeço. Nietzsche tinha razão quando escreveu que sem música a vida seria um erro.

Além de entretenimento e diversão, a música é também uma ferramenta preciosa na reabilitação, terapia e formação. Impressionou-me saber que ter aprendido a tocar um instrumento era o maior denominador comum a todos os estudantes com média para entrarem em Medicina.

O coro HML - onde se reúnem médicos, enfermeiros e doentes do Magalhães Lemos e que tem um repertório onde avultam canções da autoria dos utentes do hospital - demonstra a importância da magia da música em complicados processos terapêuticos.

E quem viu o espetáculo "Bebé babá", produzido e levado à cena pelas mães e bebés da prisão feminina de Santa Cruz do Bispo, garante que ele é a prova provada do papel da música na reabilitação.

O que há em comum entre o Som da Rua, o coro HML e o espetáculo das mães e bebés presas é o Serviço Educativo da Casa da Música, que ajudou a nascer estes e muitos outros projetos luminosos, como o das 14 freiras franciscanas de Gondomar que não se queriam despedir da vida (têm todas mais de 80 anos) antes de gravarem as canções da sua meninice.

A Casa da Música não é só aquele edifício estranho, tipo nave de extraterrestres, considerado, a par do auditório Walt Disney de Los Angeles e a sede da Filarmónica de Berlim, umas das três mais belas salas de espetáculos construídas nos últimos cem anos.

A Casa da Música é a Sinfónica do Porto, a Orquestra Barroca, o Remix Ensemble e o Coro (as quatro formações residentes), e os 527 mil visitantes e 318 espetáculos que recebe anualmente.

A Casa da Música é também o Serviço Educativo, que envolve 50 mil pessoas, prováveis (estudantes) e improváveis (cegos, presos, sem- abrigo) nos 120 eventos que promove todos os anos.

Não podemos aceitar que este trabalho notável seja posto em causa por um Governo de intrujões, que manda um secretário de Estado sobresselente dizer aos fundadores da Casa da Música que o corte ao financiamento público vai ser de 30%, e com efeitos retroativos, não honrando por isso a palavra dada por Francisco José Viegas de que seria de 20% (igual ao do CCB).

Não podemos aceitar que uma Casa da Música bem gerida - é quem mais apoio de mecenas recolhe (três milhões/ano) -, que recebe 267 mil espectadores/ano nas suas atividades, seja tratada de forma diferente que um CCB que tem apenas 125 mil pessoas/ano a frequentar os eventos que organiza.

Soubemos resgatar o Coliseu à IURD. Agora temos de impedir que um Governo de trampolineiros estrangule a Casa da Música.