Ana Fernandes, in Público on-line
A agricultura é a melhor estratégia para combater a fome e a pobreza no mundo. E o necessário investimento neste sector tem de colocar os agricultores no centro das decisões.
É uma verdade milhares de vezes repetida, mas ainda de lenta aplicação. Por isso, as Nações Unidas insistem: para combater a fome, a aposta é – tem de ser, deveria ser – na agricultura. O investimento deve ser para aí canalizado, não sob a forma de subsídios, mas na criação de condições para que os agricultores possam investir e prosperar.
No seu relatório anual, divulgado nesta quinta-feira, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) faz uma avaliação exaustiva do investimento no sector em países de baixo ou médio rendimento. Para concluir que são os próprios agricultores os que mais investem, muito mais do que os Governos, as empresas estrangeiras ou os apoios que chegam da cooperação.
Mas investe-se pouco, muito pouco nestes países. Sobretudo sabendo-se que há 870 milhões de pessoas subnutridas num mundo que, embora assista a um desaceleramento do aumento populacional, tem garantido que em 2050 terá 9000 milhões de bocas para alimentar.
Daí o apelo a mais investimento. Mas num mundo em crise, em que muitos Governos têm dificuldade em assegurar este fluxo financeiro, a resposta reside na criação de condições para que o investimento privado se possa fazer.
E a criação dessas condições passa por resolver estrangulamentos que hoje impedem que os agricultores consigam apostar na agricultura. Estrangulamentos que passam pelo escasso investimento público no sector, a extrema pobreza, a fragilidade dos direitos de propriedade, o acesso deficiente aos mercados e serviços financeiros, as cargas fiscais e a incapacidade para enfrentar os riscos.
A investigação – que se faz sobretudo no mundo desenvolvido, no Brasil e na China –, a infra-estruturação das zonas rurais e a criação de um ambiente favorável ao investimento são ferramentas muito mais eficazes que a simples criação de subsídios, que muitas vezes apenas distorcem o mercado.
A ausência deste ambiente favorável ao desenvolvimento do sector, mais do que dificultar o investimento, tem-no afastado. Veja-se o caso de Moçambique. Os agricultores zimbabweanos, que saíram do seu país na sequência da reforma agrária para se instalarem em Manica (centro), queixam-se da ausência de políticas agrícolas, o que dificulta, por exemplo, o acesso a crédito bancário.
"A falta de políticas agrárias ainda é um obstáculo. Os custos de energia são quase proibitivos e o combustível, embora com custo razoável, mantém-se inaceitável para uma agricultura mecanizada, onde a irrigação é a chave. O acesso ao financiamento já deu um passo", disse à Lusa Christo Breytenbach, um desses fazendeiros. Por causa disso, muitos já estão a abandonar o país – altamente carente deste tipo de investimentos. Recentes estatísticas indicam que a agricultura moçambicana continua meramente de subsistência e pouco orientada para o mercado. As culturas que garantem algum rendimento para lá da sobrevivência da família que delas dependem apenas ocupam 321 mil hectares, ou seja, cerca de 6% da área total cultivada no país.
José Graziano da Silva, o director-geral da FAO, alerta, no relatório, que estabilizou ou baixou o investimento público e privado por cada trabalhador agrícola nas regiões mais pobres, onde "com demasiada frequência" os investimentos públicos na agricultura não obtêm a esperada produtividade, redução da pobreza e sustentabilidade.
Segundo o responsável, "não há dúvida de que se devem destinar mais recursos públicos à agricultura", considerada pelos peritos da FAO como a ferramenta certa para reduzir a pobreza e a fome e garantir alguma estabilidade nos rendimentos das populações rurais. Daí ser essencial criar "uma nova estratégia de investimentos que coloque os agricultores no centro" das decisões tomadas.