Por Filipe Morais, in iOnline
A Associação Portuguesa do Veículo Eléctrico apresenta hoje um estudo que faz o ponto de situação da mobilidade eléctrica. Portugal investiu muito na rede de abastecimento para estes carros, mas o estudo mostra que os portugueses ainda não os conhecem
Robert Stussi é especialista em mobilidade. Tem nacionalidade suíça e portuguesa e por cá assumiu a liderança da defesa dos veículos eléctricos. Assume que a mudança para este modelo de mobilidade não vai ser repentina e o principal é mudar a mentalidade sobre a forma como nos movemos.
Este estudo diz que as pessoas ainda não conhecem o carro eléctrico. Como se pode mudar isto?
As pessoas sabem pouco, mas isso não é só em Portugal. Este inquérito mostra que as pessoas querem um carro tout court: de baixo consumo, mas com design, elegância e conforto. O ambiente ainda não é o principal e há o problema da autonomia. Oitenta por cento admitem não saber nada ou pouco e é difícil darem respostas coerentes. Fizemos inquéritos a pessoas individuais e a gestores de frotas, porque a introdução do veiculo eléctrico deve ser nas frotas, no car-sharing ou nos táxis, para se experimentar durante mais tempo e ganhar confiança.
Mas há mais interesse nestes veículos?
Os resultados são contraditórios: de um lado dizem que estão predispostos, mas quando se fala da autonomia e são confrontados com questões práticas, aí defendem-se e as respostas são mais negativas.
Então em que ponto está o mercado dos eléctricos?
Hoje em dia, se quer comprar um carro normal vai a um stand e pronto. Num eléctrico não o recebe tão cedo. E é preciso ter um carro dois ou três meses para ter uma opinião definitiva. Daí defendermos que sejam as frotas, com carros rotativos, para se conseguir essa familiarização. Investimos muito em infra-estruturas e no de- senvolvimento dos carros e não sabemos onde está o público.
O que falta?
É preciso investir no mind-set, para que se mude de opinião. Quando o lixo começou a ser reciclado também não foi fácil.
E como se leva isso para os carros?
Os apoios dos governos têm de ser mais coerentes, com estacionamento gratuito ou utilização de faixas de bus. Em muitas cidades não pagam portagens e têm electricidade gratuita. É por isso que Oslo tem o maior numero de carros eléctricos da Europa. Mas mesmo que se aprovem estas medidas, têm de ser anunciadas como transitórias, porque, se aumentar o número de veículos, não há forma de dar o benefício a todos.
Portugal investiu muito na rede de abastecimento eléctrica. Valeu a pena?
Portugal investiu em duas coisas: a cobrança com um só cartão e isso foi bom, até porque já foi exportado. Mas o número de postos podia ter sido mais gradual. Em Amsterdão havia menos postos e até já retiraram alguns, porque é preciso que as pessoas se habituem a carregar em casa. O investimento devia ter sido mais equilibrado, com apoios às frotas, principalmente das câmaras. Comprar um veículo eléctrico no stand não funciona, tem de ser através da experiência.
E assim consegue-se levar as pessoas a comprar eléctricos?
A tecnologia está a ultrapassar isso…
Sim, mas a evolução reflecte-se no preço. Mais autonomia quer dizer um carro mais caro e mais pesado.
A electricidade ajuda a mudar a forma de pensar a mobilidade?
Mesmo que não falemos de eléctricos, essa questão põe-se. A filosofia é utilizar o meio certo na altura certa.
Consegue fazer uma previsão sobre o futuro dos carros eléctricos?
Se houver uma renovação de 5% a cada ano, isto leva 20 anos. Vai ser um movimento lento, mas nos autocarros, nos táxis ou nas motos pode ser mais rápido.
A questão ambiental ainda é polémica. Os carros são ecológicos ou não?
Há a questão das emissões, porque os carros não têm emissões locais. Os estudos têm em conta o processo de produção de energia, a construção e a reciclagem, e mostram que mesmo com energia a carvão o balanço é positivo.
Há ainda o acesso. Quem viva num quarto andar não consegue carregar o carro…
Se calhar essa pessoa está condenada a não ter carro eléctrico. Não podemos resolver tudo ao mesmo tempo e temos de assumir que há uns 20% que estão condenados a não ter acesso ao mercado.