9.4.13

Nem todos os mil milhões são iguais para o governo

Por Eduardo Oliveira Silva, in iOnline

Os do Tribunal Constitucional são oposição, os do Eurostat são dogma inquestionável


Quando recentemente o Eurostat mandou dizer que não aceitava a inclusão de receita da concessão da ANA no Orçamento de 2012, Passos Coelho e Vítor Gaspar aceitaram mansamente a decisão. Engoliram, pediram desculpa e combinaram em poucas horas o aumento do défice. Num ápice o problema foi resolvido sem remoques públicos, sem comunicados dramáticos em directo na TV, sem idas a Belém e sem apelos à ajuda do PS.

Ora as decisões do Tribunal Constitucional português têm consequências de um valor pouco superior à receita que a ANA iria trazer. No entanto, a decisão gerou um estardalhaço e um conjunto de reacções próximas da histeria. Isto apesar de o veto constitucional ter sido previsto por um vastíssimo grupo de figuras públicas da política, dos media e de especialistas em direito constitucional. Mesmo assim podia ser pior para o governo, se o Tribunal tivesse vetado o imposto extraordinário sobre as reformas.

Há portanto milhões de euros que se questionam e milhões que não se questionam na óptica do governo Passos Coelho. Mais que muitos outros exemplos, talvez este tenha uma simbologia e uma leitura política que devesse envergonhar o governo.

Governar sistematicamente contra a Constituição é ter a opinião da mãe daquele mancebo que insiste aos gritos na parada que todo o regimento tem o passo trocado e que o do filho é que está certo.

Ainda ontem foi bem acentuada por António José Seguro a legitimidade democrática das entidades que pediram a verificação de constitucionalidade, como o Presidente da República, vários membros do Parlamento e o provedor de Justiça.

Por isso mesmo é pena surgirem ameaças veladas de coisas dramáticas que nos podem acontecer por causa da decisão de um tribunal. A chantagem não é método de governo. Há medidas dolorosas para substituir as que foram anuladas? Apresentem-se. Discutam-se. Apliquem-se ou então mudem-se os objectivos macroeconómicos. Vá-se a Bruxelas, a Dublin, a Washington e fale-se com quem for necessário para mudar os objectivos, mas explique-se que em Portugal há uma Constituição a respeitar.

Se não se gostar da lei fundamental fale-se com os partidos da oposição para a mudar, como heroicamente fizeram Balsemão e Mário Soares em 1982, quando acabaram com o Conselho da Revolução.

Depois de tudo o que aconteceu nos últimos dias, espera- -se que haja maturidade política para enfrentar o problema e espera-se também que o governo saiba reagir em nome de um país com 900 anos, que nem os Filipes anexaram, e que não deve humilhar-se sem um pio aos ditames de um estado como a Alemanha, cujo ministro das Finanças é de uma arrogância que obriga a recordar-lhe que foi por causa de Berlim que a humanidade viveu dois conflitos mundiais que custaram mais de 70 milhões de vidas.

Talvez valesse a pena Passos Coelho ouvir menos Merkel e mais Paul Krugman, o Nobel da Economia, que lapidarmente deu um conselho a Portugal quanto à austeridade adicional: “Just say no.” Ora aí está uma excelente fórmula de cumprimento aos senhores da troika quando agora chegarem a Lisboa para a inspecção intercalar de emergência.