in Público on-line
Relatório da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho salienta que "as consequências a longo prazo desta crise estão ainda escondidas".
As medidas de austeridade aplicadas na Europa para combater a crise nos últimos quatro anos lançaram o continente numa "espiral de pobreza", com "consequências a longo prazo ainda escondidas", conclui um relatório da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, apresentado nesta quinta-feira.
"A Europa enfrenta a sua pior crise humanitária das últimas seis décadas. As vidas das pessoas foram viradas do avesso e a degradação parece estar a aumentar, com milhões a sobreviverem dia-a-dia, sem poupanças ou algo que possa amortecer despesas imprevistas", disse o secretário-geral, o etíope Bekele Geleta, citado pelo site da federação.
O documento, intitulado "Think differently: Humanitarian impacts of the economic crisis in Europe", salienta que o impacto das medidas de austeridade não está a afectar exclusivamente os países tradicionalmente mais afectados por crises económicas – em França, pelo menos 350.000 pessoas viram os seus rendimentos caírem abaixo do limiar da pobreza desde 2009.
"As consequências a longo prazo desta crise estão ainda escondidas. Os problemas serão sentidos ao longo de décadas, mesmo que a economia melhore no futuro próximo. Perguntamo-nos se nós, enquanto continente, percebemos verdadeiramente o que nos aconteceu", lê-se no relatório, de 68 páginas.
As consequências da crise e das medidas aplicadas para tentar contrariá-la levaram a um aumento de 75% na ajuda alimentar prestada pelas sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho em vários países europeus – só no ano passado, a federação distribuiu comida a 3,5 milhões de pessoas em 22 países da Europa. E "centenas de milhares estão a ser assistidas com ajuda legal, financeira, material ou psicológica".
O secretário-geral da federação deixa o aviso: "Apesar de compreendermos que os governos precisam de poupar dinheiro, aconselhamos vivamente contra a aplicação de cortes indiscriminados na saúde pública e na segurança social, porque podem custar ainda mais a longo prazo."
A directora da federação para a Europa, a dinamarquesa Anitta Underlin, lança o desafio reflectido no título do relatório (pensar de forma diferente): "Não temos todas as respostas, mas encorajamos todas as partes interessadas – incluindo nós mesmos – a pensar em formas novas, diferentes e criativas de lidar com a crise. Apesar de todos esperarmos que isto acabe em breve, temos de enfrentar a realidade, para que esta crise humanitária não se transforme numa crise social e moral para a Europa."
O relatório alerta também para os efeitos psicológicos das medidas de austeridade. "À medida que a crise económica foi assentando as suas raízes, milhões de europeus vivem em insegurança, sem certezas sobre o que o futuro lhes reserva. Este é um dos piores estados de espírito para um ser humano. Vemos o desespero silencioso a alastrar entre os europeus, que resulta em depressões, resignação e perda de esperança", lê-se no documento.