1.10.13

Nova lei do asilo ameaça direitos dos refugiados

Ana Henriques, in Público on-line

Parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados faz uma análise demolidora das alterações que o Governo quer introduzir à lei de asilo

As alterações que o Governo quer introduzir à lei de asilo para a adaptar às directivas europeias ameaçam os direitos de quem precisa deste tipo de protecção, diz o Conselho Português para os Refugiados. Entre outras entidades, o anteprojecto de proposta de lei foi submetido pelo Ministério da Administração Interna à apreciação da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), que dele faz uma análise demolidora.

O organismo responsável pela defesa da privacidade dos cidadãos considera "particularmente gravoso" que o Conselho Português para os Refugiados (CPR) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) deixem de ser obrigatoriamente ouvidos, como sucedia até aqui, sobre os relatórios elaborados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras relativamente a cada pedido de asilo.

Ao querer reduzir o papel destas duas organizações não governamentais nos pedidos de asilo, explica o mesmo parecer, o Governo prejudica os candidatos ao estatuto de refugiado, uma vez que a intervenção do ACNUR e do CPR nestes processos passa a ficar dependente da manifestação de vontade do recém-chegado nesse sentido. "É evidente que ele se encontra em posição vulnerável. O desconhecimento da língua e da lei podem constituir constrangimentos impeditivos do regular exercício de direitos fundamentais", recorda a CNPD.

Este organismo salienta ainda que "se há uma área em que Portugal se destaca de forma positiva é precisamente na integração de imigrantes e asilados", sendo a lei que o Governo agora pretende modificar "um exemplo de boa prática legislativa", pelas garantias que confere aos refugiados. "Note-se que todas as directivas transpostas prevêem a possibilidade de manutenção de disposições mais favoráveis, desde que compatíveis" com as alterações que têm de ser introduzidas no direito nacional, refere ainda o mesmo documento.

Outra das mudanças introduzidas na actual lei pelo Ministério da Administração Interna prende-se com a recolha obrigatória das impressões digitais de todos os candidatos a protecção internacional com mais de 14 anos, com vista à integração destas informações na base de dados europeia Eurodac, que permite aos países da UE ajudar a identificar os requerentes de asilo, bem como as pessoas que foram interceptadas por ocasião da passagem ilegal de uma fronteira externa da União. O anteprojecto de diploma prevê ainda a possibilidade de determinação da idade dos menores que cheguem sozinhos a Portugal através de um "exame pericial".

"Tal só pode ser entendido como um exame com incidência em dados de saúde, dados particularmente protegidos por via da sua inclusão no elenco de dados sensíveis e que estão sujeitos a um regime particular ao nível do direito de acesso", aponta a Comissão da Protecção de Dados, chamando a atenção para o melindre desta disposição: "Estamos perante uma situação em que o consentimento é solicitado a um menor não acompanhado, eventualmente em situação de particular vulnerabilidade" - o que levanta sérias dúvidas sobre a capacidade de dar o seu consentimento ao exame pericial.

A presidente do Conselho Português para os Refugiados, Teresa Tito de Morais, diz que, a ir por diante na forma em que está, a nova lei ameaça os direitos dos candidatos a asilo. "Estou preocupada, porque seria um retrocesso nos seus direitos e garantias", observa, adiantando que o anteprojecto só chegou às suas mãos depois de o ter solicitado ao secretário de Estado da Administração Interna, e não por iniciativa deste. O facto de a nova lei "concentrar os poderes decisórios no Governo, deixando de haver nos processos a intervenção legitimamente consagrada de uma organização independente do poder político" é visto por esta responsável como muito negativo. "Com a transposição das directivas europeias, parece que se aproveitou a oportunidade para retirar regalias aos refugiados e tornar a lei mais fechada", critica. "Quero crer que haverá bom senso de não ir com isto para a frente", acrescenta, ao mesmo tempo que assegura não decorrer das directivas comunitárias o afastamento dos processos de asilo de uma organização do CPR, que em 2000 recebeu o prémio Direitos Humanos atribuído pela Assembleia da República.

O PÚBLICO tentou durante os últimos dias obter informações sobre a nova lei de asilo junto do Ministério da Administração Interna, mas sem sucesso.