9.4.14

As difíceis vidas de Paulo e Vítor

João Luís Barreto Guimarães, in Jornal de Notícias

Os licenciados portugueses das mais variadas profissões têm sido aliciados por agências de recrutamento com o intuito de os levar a emigrar na senda de melhores vencimentos e, num significativo número de casos, em busca de um mero emprego. Desde há algum tempo que, em Portugal, o desemprego deixou de ser exclusivo dos cidadãos indiferenciados, atingindo actualmente cerca de 92 mil pessoas com curso superior, do conjunto de 812 mil desempregados contabilizados pelo INE, dos quais cerca de 344 mil estão em risco de pobreza, isto é, dispõem de menos de 409 insustentáveis euros por mês para fazer face às suas despesas.

O desemprego mais desrazoável, porém, é o dos cerca de 300 mil cidadãos ditos "nem-nem", compatriotas que, por força das agruras da vida, não estudam nem trabalham (nem tão-pouco frequentam qualquer acção de formação). O facto de não terem emprego - ou de não se encontrarem presentemente a estudar - faz com que muitos deles acabem por abandonar o país como sucedeu, só no último ano, a mais de 120 mil emigrantes.

Tal é o caso de Paulo e Vítor, dois concidadãos "nem-nem" que, com indizível sacrifício pessoal, optaram por não agravar as estatísticas dos centros de emprego (nem solicitar qualquer subsídio), atrevendo-se a sonhar mais alto, numa intransitiva atitude de arrojo e coragem, decidindo trocar a pátria (com uma mala na mão), pela diáspora. Vendo-se penosamente sem sustento, com as carreiras profissionais injustamente destruídas, não hesitaram em emigrar engrossando o êxodo de portugueses rumo ao desconhecido.

Um desses destemidos patrícios é Paulo Varela Gomes, profissional da área da Segurança, inesperadamente privado do seu posto de trabalho (como director nacional da PSP), na sequência do inflamado "motim" das forças policiais na escadaria do Parlamento, a 21 de novembro transacto. Da noite para o dia, sem que nada o fizesse prever, Paulo viu-se forçado a emigrar para Paris (de França), a fim de aceitar trabalho como oficial de ligação da Embaixada de Portugal na Cidade-Luz - lugar alegadamente criado para ele, inserido no projecto de segurança do G4 que engloba Portugal, Espanha, França e Marrocos. Um posto de menor responsabilidade, portanto. Pese embora vá ganhar apenas 12 mil euros por mês (pouco mais do que o triplo do que auferia em Portugal), na mesma área profissional onde alegadamente falhou, ainda assim Paulo abraçará esta (segunda) oportunidade com desmesurada dedicação, como aliás tem sido apanágio da generalidade dos seus compatrícios em Paris, desde as porteiras aos padeiros, com quem Paulo irá decerto privar nalguma pitoresca taberna de fados ao fim de um dia de trabalho. Boa sorte, Paulo!

Desfecho igualmente feliz teve o caso do seu compatriota Vítor Gaspar que se viu confusamente desalojado do lugar de ministro das Finanças de Portugal, sendo obrigado a partir para as américas para aceitar trabalho na incerta metrópole de Washington como director dos Assuntos Orçamentais do FMI (a mesma área profissional onde confessadamente falhou), remedeio pelo qual irá receber a parca quantia de 23 mil euros mensais (somente o quíntuplo do vencimento de um ministro em Portugal). Apesar disso, Vítor irá empenhar-se com abnegação, com o fito de juntar um pé-de-meia para um dia (quem sabe?) regressar em condições de proporcionar a si e os seus uma vida condigna e melhor. Felicidades, Vítor!

São exemplos como estes de vidas anónimas e destroçadas, fruto da crónica falta de respeito com que um país madrasto brinda os seus cidadãos - que trabalham a vida inteira apenas para ver os seus salários e pensões renegociados unilateralmente sem consentimento - que nos levam a todos a acreditar que a felicidade é possível, que a vida ainda pode sorrir, que para cada um de nós há uma oportunidade à espreita desde que, naturalmente, como Paulo e Vítor, nos disponhamos a sair da nossa infame zona de conforto, trocando o perto pelo incerto, longe dessa preguiçosa facilidade que é ficarmos parados a apodrecer, como cadáveres adiados, com a inaceitável desculpa de que não conhecemos as pessoas certas.