1.4.14

Clima. Verões de seca e Invernos rigorosos vão ser mais constantes

Por Marta Cerqueira, in iOnline




Alerta surge no último relatório da ONU sobre alterações climáticas. Portugal é um dos países mais afectados




O Portugal do futuro será um país de extremos. Para os próximos anos estão previstas inundações cada vez mais frequentes no Inverno, meses de Verão com ondas de calor e períodos de seca. As alterações climáticas vão afectar todo o planeta e o cenário é mais pessimista para o Sul da Europa, uma das zonas mais afectadas. Com base em mais de 12 mil estudos de 500 especialistas em todo o mundo, a ONU divulgou ontem no Japão o relatório do painel intergovernamental sobre as alterações climáticas (IPCC).

"Os Invernos rigorosos como o deste ano vão repetir-se muito mais frequentemente. As inundações e os ventos fortes vão ser mais constantes e a costa portuguesa é que vai sofrer", explicou ao i Filipe Duarte Santos, um dos revisores do relatório, lembrando que 67% da costa portuguesa enfrenta um risco significativo de erosão: "Os perigos nunca foram tidos em conta no nosso ordenamento, que não é de modo nenhum o melhor. Temos construções em cima de dunas e grandes prédios muito próximos do mar." Filipe Duarte Santos salienta a importância na fiscalização das construções apontando a retirada de pessoas das zonas costeiras como uma "medida extrema".

No outro extremo estão os meses de Verão, que se esperam cada vez mais quentes e com longos períodos de seca. Francisco Ferreira, ambientalista da Quercus, aponta o turismo como uma das áreas mais afectadas pelas mudanças climáticas. "O relatório fala do turismo mediterrânico no Verão, que poderá ter uma redução devido às temperaturas cada vez mais elevadas. Por outro lado, a falta de neve nos meses mais frios vai afectar igualmente o turismo de Inverno", avisou.

A subida das temperaturas, a par dos ventos fortes, vai dar origem a incêndios cada vez maiores. A direcção nacional da Quercus, em comunicado, relembra que no Sul da Europa a frequência de incêndios e a extensão dos fogos aumentou significativamente após 1970 devido à acumulação de combustível, às mudanças climáticas e a eventos meteorológicos extremos, assim como à falta de políticas florestais adequadas. "Esta tendência pode vir a piorar no caso português, tendo em conta que as medidas continuam a centrar-se no combate e não na prevenção dos fogos", acrescentou Francisco Ferreira.

O relatório revela que a carga de doenças causadas pelas mudanças climáticas é pequena em comparação com outras consequências. No entanto, o texto acrescenta que já há indicações do aumento da mortalidade mais associada ao calor do que ao frio. Filipe Duarte Santos confirma a teoria e explica que as altas temperaturas estão relacionadas com doenças transmitidas por vectores, como por exemplo carraças, ratos e mosquitos, animais cuja sobrevivência é mais propícia em climas quentes. "Não é por acaso que surgiram casos de dengue na Madeira o ano passado. Este caso está muito provavelmente relacionado com as mudanças climáticas das ilhas", acrescentou.

Mudança de clima e de atitude O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas adverte que é necessária uma redução imediata das emissões de gases de efeito estufa para evitar passar o limite de aquecimento global de 2 graus Celsius, com o qual a União Europeia e todas as outras nações se comprometeram em Copenhaga. Este valor é visto pelos cientistas como o limite para uma mudança perigosa, que levaria a uma maior desertificação, mais enchentes, extinções de espécies e elevação do nível dos oceanos.

No entanto, os especialistas ouvidos pelo i são unânimes em considerar algumas alterações climáticas inevitáveis. "Mesmo que parássemos as emissões, os impactos ambientais continuariam. O sistema climático demora o seu tempo a dar respostas", garante Francisco Ferreira. Já para Filipe Duarte Santos, adaptação e formação são as palavras de ordem: "É importante que a população se adapte às novas condições meteorológicas e, por outro lado, se aposte na formação nas escolas e nos meios locais para que o trabalho venha a ser global."

Consequências da poluição

Energia - As necessidades de aquecimento podem diminuir entre 11% e 20% até 2050 e as de arrefecimento podem aumentar 74% a 118% até 2100 na Europa. Com esta alteração, o sistema eléctrico vai ter de se preparar para picos de consumo no Verão. As alterações na precipitação podem vir a alterar a produção hidroeléctrica, aumentando na Escandinávia entre 5% e 14% e diminuindo entre 6% e 36% na Europa continental e 5% a 15% no Sul até 2100.

Pobreza e conflitos - As consequências das alterações climáticas vão afectar os mais pobres de forma mais directa. O impacto nos meios de sobrevivência, na redução do cultivo e no aumento do número de pessoas desalojadas pode vir a ter um efeito nas migrações. Ao afectar a disponibilidade de alimentos e água em diversas zonas do planeta, podem também surgir conflitos como guerras civis ou violência entre grupos.

Pescas - Muitas espécies de peixes que representam a principal fonte de alimentação das populações vão deixar de frequentar as zonas habituais por causa do aumento da temperatura das águas. O relatório avança que nalgumas áreas dos trópicos e da Antárctida as capturas podem diminuir para metade. O aquecimento das águas, a par da acidificação dos oceanos, vai comprometer os ecossistemas polares e os recifes de corais.

alimentação - O aquecimento global, o aumento dos níveis do mar e as mudanças na precipitação vão afectar os terrenos agrícolas. No caso de grandes culturas (trigo, arroz e milho) em regiões tropicais e temperadas, o relatório descreve um “impacto negativo” na produção se as temperaturas subirem mais de 2 graus Celsius e não forem tomadas medidas de adaptação. A produtividade agrícola, a nível mundial, pode cair até 2% por década ao longo deste século.

Inundações - O previsível aumento do nível do mar esperado durante o século XXI irá causar inundações e erosão do litoral. Ao mesmo tempo, as projecções mostram que o crescimento da população, o desenvolvimento económico e uma maior urbanização vão atrair mais pessoas para as zonas costeiras, aumentando os riscos. Até 2100, centenas de milhões de pessoas estarão em risco de ser afectadas por cheias no litoral, a maior parte no Leste, no Sudeste e no Sul asiáticos.

doenças - As alterações de temperatura e a chuva já modificaram a distribuição de algumas doenças transmitidas pela água. Os riscos futuros incluem problemas de saúde em áreas costeiras e pequenas ilhas devido à elevação do nível do mar. Por outro lado, o aumento das temperaturas vai dar origem a doenças pouco comuns em algumas áreas, principalmente as transmitidas por animais. Mosquitos e carraças têm uma maior capacidade de sobrevivência em zonas quentes. Além disso, o texto aponta para um aumento do número de mortes devido às ondas de calor e aos fogos florestais.