14.4.14

Estigma é o efeito mais doloroso do VIH/Sida

Por: Ana Pago, in Notícias Magazine

Amílcar Soares (ativista da Positivo), Marta Reis (investigadora do projeto Aventura Social), Francisco Antunes (médico e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa) e António Diniz (diretor do Programa Nacional para a Infeção VIH/Sida) responderam às perguntas da jornalista Célia Rosa (Notícias Magazine) e da audiência.
.
Estudo «30 anos, 30 mitos do VIH/Sida» avalia o que os portugueses sabem sobre a doença três décadas após os primeiros diagnósticos no país.

Trinta anos sobre o primeiro diagnóstico de VIH/Sida em Portugal chegaram para quase devolver à normalidade a vida de um seropositivo. Ao medo demencial dos primeiros tempos, marcados pela mortalidade e pelo estigma, os especialistas em saúde responderam com técnicas inovadoras ao nível da prevenção, diagnóstico e tratamento que fazem toda a diferença na vida e na qualidade de vida dos doentes. Hoje, não surpreende tanto que a patologia tenha passado de doença mortal a doença crónica. O que surpreende é o facto de ainda haver quem pense que a infeção se pode transmitir pelo beijo ou por partilhar um banho de piscina. Foi talvez essa a conclusão mais inesperada do estudo «Portugal e o VIH/Sida: 30 anos, 30 mitos», apresentado hoje num debate organizado pela Notícias Magazine em parceria com a Gilead Sciences (a biofarmacêutica responsável pelo estudo) e que contou com a participação de doentes, investigadores, médicos e do diretor para o Programa Nacional para a Infeção VIH/Sida, António Diniz.

Cristina Bernardo, da Gilead, e Catarina Carvalho, da Notícias Magazine, dão as boas vindas aos convidados e à audiência.

«De um modo geral, as pessoas não têm grande dificuldade em distinguir os mitos dos factos no que diz respeito à infeção pelo VIH/Sida mas, apesar disso, ainda representam 22 por cento da população as que consideram que a doença se pode transmitir pelo beijo», confirma Pedro Silvério Marques, o dirigente da Associação Portuguesa para a Prevenção e Desafio à Sida (SER+) que se tem dedicado à problemática da discriminação dos doentes. Aos 67 anos, seropositivo há 27, o ativista diz não valer a pena fazer discursos otimistas quando ainda existem tantas perceções incorretas face à doença que se traduzem em estigma. O preconceito, ao que parece, é um dos aspetos que pouco mudaram em três décadas e ele recusa-se a louvar a metade cheia do copo quando a metade vazia nos mostra constantemente os caminhos que ainda faltam percorrer.

Pedro Silvério Marques, da SER +

«Em matéria de atitudes e comportamentos, a população em geral mostra uma postura aberta quanto ao VIH/Sida, admitindo que contaria à família e aos amigos se estivesse infetada e que não se importaria de cumprimentar um seropositivo. Por outro lado, no entanto, são uma maioria os que admitem que não estariam disponíveis para ter uma relação afetiva com alguém que fosse portador», lamenta Pedro Silvério Marques, convicto de que a escola e o sistema de saúde terão de contribuir mais para informar as pessoas acerca de uma doença que é um problema de saúde grave, além de ajudarem a adaptar o discurso da prevenção à realidade atual. «Não é admissível que os regulamentos de muitas piscinas municipais vedem o acesso a utilizadores com doenças ditas ‘infeto-contagiosas’, por exemplo, e é ilegal que empresas obriguem os seus funcionários a fazer o teste do VIH/Sida. Estão aqui em causa os direitos fundamentais das pessoas infetadas», diz.

Ricardo Baptista Leite, médico e deputado do PSD, coordenador do Grupo de Trabalho para a Infecção VIH/Sida no Parlamento.

Ricardo Baptista Leite, médico e deputado, coordenador do Grupo de Trabalho para a Infeção do VIH/Sida na Assembleia da República, reconhece este afastamento das escolas da educação para a saúde e a necessidade de arregaçar as mangas para fazer mais e melhor relativamente à problemática da prevenção: «Os Capitães de Abril estão sempre a dizer que Abril ainda está por cumprir e esta é precisamente uma dessas matérias que requerem ação.» Até hoje, nenhum dos anteriores governos conseguiu resolver o problema; ele próprio não tem expectativas de que seja agora que vai acontecer. Mas mantém a fé. «Num sistema de ensino como o nosso, creio que se tivermos que abdicar de uma hora de português e de uma hora de matemática para ensinar os nossos estudantes a viverem em comunidade, a serem cidadãos ativos e a terem uma base de educação para a saúde adaptada à sua faixa etária, isso faz todo o sentido», sublinha. O deputado espera que a médio prazo tal possa acontecer. «É determinante. Podemos ter as melhores políticas de saúde do mundo e o melhor serviço nacional de saúde, mas enquanto não ultrapassarmos as questões básicas de literacia para a saúde seremos totalmente ineficazes na prevenção.» Venham mais 30 anos de luta eficaz contra a doença.