10.4.14

FMI dá argumento ao Manifesto dos 74. BE leva texto a votos

Por Rita Tavares e Ana Suspiro, in iOnline





Fundo faz contas que mostram condições impossíveis para controlar a dívida até 2030. Cravinho diz "era importante" debater o Manifesto já




Um reforço improvável chegou ontem à argumentação dos que têm defendido a reestruturação da dívida soberana por a considerarem "insustentável". Um relatório do FMI aponta que uma dívida controlada em 2030 exige que o país apresente saldos estruturais na ordem dos 5,7% durante uma década. Também ontem chegou ao parlamento a petição sobre a reestruturação da dívida e o Bloco avançou logo com um projecto de resolução onde leva a votos os três objectivos do texto do Manifesto dos 74 que deu origem a todo o debate.

O Fundo Monetário Internacional é frontalmente contra a reestruturação da dívida portuguesa. Mas no Fiscal Monitor, divulgado ontem, o FMI estima que Portugal terá de alcançar um saldo primário estrutural positivo de 5,7% no final da década e manter esse nível de excedente durante dez anos para que a dívida pública consiga cumprir a meta dos 60% do PIB em 2030. Portugal já tem um saldo estrutural positivo, corrigido dos efeitos do ciclo económico e calculado sem a despesa com juros, desde o ano passado. Para este ano, o saldo indicado pelo Fundo é de 1,6%, a que corresponde uma dívida pública de 126,7% do PIB em 2014, ano em que a dívida portuguesa deverá descer pela primeira vez. Mas até ao final da década, a dívida bruta portuguesa deverá baixar apenas para 113,8% do PIB, o que exigirá um saldo mais expressivo na década seguinte para cumprir o limite previsto no Tratado Orçamental. O fundo assinala que em países como Portugal e a Irlanda o ajustamento orçamental terá que continuar a ser considerável. Mas para muitos, e tendo em conta os resultados do passado recente da economia portuguesa, o considerável aproxima-se do impossível.

Contas que vão no mesmo sentido das feitas pelo Presidente da República que já disse que "para atingir, em 2035, o valor de referência de 60% para o rácio da dívida, seria necessário que o Orçamento registasse, em média, um excedente primário anual de cerca de 3% do PIB. Em 2014 prevê-se que o excedente primário atinja 0,3% do PIB" escreveu Cavaco no prefácio do seu último livro publicado.

O texto do Manifesto (que reúne nomes como João Cravinho, Bagão Félix, Manuela Ferreira Leite ou Francisco Louçã), sublinha que "a dívida pública tornar-se-á insustentável na ausência de crescimento duradouro significativo: seriam necessários saldos orçamentais primários verdadeiramente excepcionais, insusceptíveis de imposição prolongada".

O Manifesto chegou ontem ao parlamento através de uma petição entregue pelo antigo Provedor de Justiça Alfredo José de Sousa. A petição terá de ser debatida em plenário, mas para já segue para as comissões parlamentares de onde deve sair num máximo de 60 dias para subir a plenário. Quando isso acontecer, serão debatidos também os projectos de resolução do PS, PCP e BE sobre o mesmo assunto. E ao contrário da petição serão submetidos a votos.

O único texto já apresentado é o do Bloco de Esquerda, que assume que no passado recente defendeu projectos que iam mais longe do que o Manifesto, mas que agora opta por se cingir ao texto e objectivos que chegaram à Assembleia da República por via da petição. "As diferenças não desvalorizam o conteúdo e a importância do Manifesto", diz o projecto. Por isso, o BE leva a votos precisamente o que o Manifesto defende: "O abaixamento significativo da taxa média de juro do stock da dívida; a extensão de maturidades da dívida para quarenta ou mais anos; a reestruturação, pelo menos, de dívida acima dos 60% do PIB, tendo na base a dívida oficial". "A reestruturação da dívida é uma medida essencial que deve ser levada por diante", disse ontem o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, na apresentação da iniciativa.

Horas antes, no parlamento, Alfredo José de Sousa falara em nome dos peticionários para considerar que "se a Assembleia da República chumbar [os projectos] há de ter com certeza um reflexo político".

Para um dos pais do Manifesto "era importante" que o assunto fosse debatido a tempo das europeias, mas João Cravinho recusa qualquer pressão sobre o parlamento. O socialista reforça apenas que a questão da dívida "é um aspecto muito importante na próxima legislatura" no Parlamento Europeu, que será eleito a 25 de Maio. "Há 14 países com dívida em excesso. Deve marcar a campanha", diz Cravinho ao i, "caso contrário seria um caso de vazio democrático".

Na semana passada, no debate quinzenal, o primeiro-ministro apontou o relatório de peritos sobre mecanismos comuns para a resolução da dívida excessiva (o fundo de redenção e os eurobonds), para atacar quem coloca este assunto como prioritário. Mas Passos não fechou a porta, sublinhando apenas que uma mutualização da dívida exigirá sempre a manutenção da "disciplina orçamental". No relatório que a Comissão Europeia pediu a um conjunto de peritos, Cravinho viu que "há soluções benéficas para a União Europeia. Isso ficou claramente demonstrado, mas é preciso vontade política". Mas também viu "o maior desmentido ao argumento do primeiro-ministro de que o assunto é inoportuno". "Ele acha que é inoportuno para ele, mas ele não é o país", diz o socialista, que acrescenta: "Passei parte da vida subjugado à inoportunidade da discussão sobre o colonialismo e hoje parece que há outros assuntos inoportunos. É uma concepção bizarra para um agente democrático."