Samuel Silva (Texto) e Teresa Pacheco Miranda (Fotos e vídeo), in Público on-line
Esmagadora maioria dos alunos do pré-escolar do agrupamento de escolas de Maximinos, em Braga, não compareceu no primeiro dia pós-confinamento. “Nesta idade, deviam estar a socializar”, dizem as educadoras.
Quase parece que a escola continua fechada. O portão da entrada está encerrado e o edifício quase silencioso. São 8h40 neste Dia Mundial da Criança. A mãe de Zehra, de cinco anos, toca à campainha e uma auxiliar do Centro Escolar de Maximinos, em Braga, vem à porta recebê-la. A criança costuma partilhar a sua sala do pré-escolar com mais 24 meninos, mas hoje tem a escola só para ela.
“Isto é o contrário do que eles precisam. Nesta idade, deviam estar a socializar”, comenta Maria José Lopes. É a única educadora da escola e esperava pelo menos por mais uma criança nesta segunda-feira. No resto da semana, virá uma outra menina. Serão, no máximo, três. Durante o fim-de-semana, foi recebendo contactos dos restantes encarregados de educação, que lhe deram conta da intenção de não levar os seus filhos à escola nas próximas semanas.
Muitos dos pais “ainda estão em casa”, sobretudo os que têm filhos mais velhos que continuam a precisar de acompanhamento. Há também quem se justifique com o receio de que o contacto com outras crianças possa potenciar infecções pela covid-19. E ainda aqueles para quem não vale a pena alterar agora as rotinas criadas nos últimos três meses: “São só 17 dias úteis” até ao final do ano lectivo.
A portaria desta escola de Braga foi transformada em espaço de acolhimento dos alunos. É ali que as crianças trocam os sapatos com que andam na rua por outros que vão usar exclusivamente no recinto escolar. Também vestem as batas axadrezadas, que já eram de uso obrigatório antes da pandemia.
No regresso às actividades após o confinamento, há novos hábitos. À entrada e à saída da sala do pré-escolar, a educadora lembra Zehra de que deve desinfectar as mãos com álcool-gel. Quando chegarem os outros colegas, vai ser preciso “dizer o contrário” daquilo que Maria José Lopes lhes ensinou durante três anos: “Fomentei a afectividade e a partilha, agora tenho de lhes dizer para se afastarem e não usarem as coisas uns dos outros.”
Limpeza, distanciamento e o “direito de brincar”. Orientações para reabertura do pré-escolar já são conhecidas
A educadora ainda fez um compasso de espera até perto das 10h, aguardando que outro aluno pudesse chegar à escola. Entretanto, Zehra ocupou um dos lugares nas mesas do refeitório durante esse tempo, olhando para os desenhos animados na televisão, impávida e serena: “É sempre calma, a não ser que esteja com os outros.”
Pouco tempo depois, a criança troca as cadeiras cor de laranja do refeitório pelas mesas de madeira com pernas amarelas da sua sala. É a mesma de antes e praticamente não foi mudada a sua configuração. A única diferença é que as três mesas que antes dariam para 12 alunos servirão agora para, no máximo, seis. Em cada uma há uma caixa de lápis de cor e marcadores e folhas de papel branco, bem como um puzzle de madeira.
Por ser Dia Mundial de Criança, “vai ser um dia de mimos e brincadeiras”, mas depois do tempo de recreio do meio da manhã, haverá espaço para um vídeo sobre os cuidados que as crianças devem ter para se protegerem da nova doença. Será o mote para uma conversa sobre estas últimas semanas. Zehra brinca com um dos jogos deixados sobre a mesa da sala, enquanto a educadora comenta: “Até me custa trabalhar só com um aluno, mas vamos fazer na mesma o que estava planeado.”
Segundo a Federação Nacional de Professores (Fenprof), os jardins-de-infância receberam apenas cerca de 35% das crianças nesta segunda-feira. A estrutura sindical denuncia que alguns dos estabelecimentos de ensino não estão a cumprir as normas de segurança e insta as educadoras a reportar situações irregulares.
Só metade das crianças deverá voltar ao pré-escolar nesta segunda-feira
Maria José Lopes não esqueceu as crianças que ficaram em casa – “vi-os todos os dias” nos últimos dois meses e meio. Algumas das actividades que fará em aula com os alunos que forem à escola nas próximas semanas vão continuar a ser partilhadas com as restantes famílias. “Quando for ler as histórias aos meninos que tenho em sala, também vou ligar, por vídeo, aos que estão em casa”, antecipa.
Doze crianças apareceram
Na escola de Estrada/Ferreiros, que também pertence ao agrupamento de Maximinos, as educadoras decidiram no mesmo sentido. Vão continuar a manter contacto com as famílias dos alunos que não forem à escola. “Hoje de manhã, enviámos um desafio para ser feito em família. Por ser Dia da Criança, sugerimos que façam um gelado de morango, com fruta natural”, conta Alexandra Paz, uma das duas educadoras.
No refeitório da escola de Estrada/Ferreiros, “este silêncio não é normal.” Teresa Pacheco Miranda
Ao contrário do que acontece no Centro Escolar de Maximinos, aqui os alunos mudaram de espaço de trabalho. Estão a ser usadas salas onde habitualmente há aulas do 1.º ciclo. Cada criança terá a sua carteira individual – “com os seus lápis, a sua tesoura, a sua cola. E todos os dias um puzzle e um livro”. Nos últimos dias, as educadoras pediram ajuda aos pais para preparem as crianças para encontrarem “uma escola diferente”.
A entrada é agora feita pela janela de uma das salas, que comunica directamente com o grande relvado do estabelecimento de ensino. À chegada à “Sala Suja”, os alunos deixam as suas mochilas e trocam de calçado. E seguem para a respectiva sala. À entrada, higienizam as mãos. À saída, em direcção ao refeitório, para o lanche do meio da manhã, repetem o processo.
Menos crianças por sala e calçado à porta: as novas regras da DGS para as creches
“Já sabem que têm de manter a distância do vosso amigo que vai à frente”, recorda uma das educadoras. O refeitório está quase vazio. Numa escola em que estão inscritas 51 crianças na educação pré-escolar, eram esperados 18 alunos. Só 12 compareceram. Com uma banana e um par de bolachas à sua frente, sentam-se calmamente. Lá fora, no jardim, ouvem-se claramente os sons de melros e de pardais no jardim. Alexandra Paz estranha: “Este silêncio não é normal.”
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