José Júlio Curado, Opinião, in Jmadeira
Há duas semanas, fiz nestas páginas uma abordagem inicial ao problema da pobreza em Portugal e na Madeira tendo como ponto de partida as conclusões do livro título “Rendimento Adequado em Portugal”*. Optei por fazê-lo com base nessas conclusões de modo a ilustrar que trabalhar, mesmo que seja a tempo inteiro e em condições normais, não é garantia de se poder escapar às malhas da pobreza. Este é um dos maiores problemas da pobreza, a dificuldade de se poder sair dela pelas próprias mãos.
Estar em situação de pobreza é estar permanentemente num estado de privação. Implica ter de fazer escolhas, na maior parte das vezes difíceis pelo impacto que têm. Porque não é o mesmo escolher entre dois filmes que estão no cinema ou os dois modelos de telemóvel mais recentes e ter de escolher quais as necessidades primárias que vamos conseguir satisfazer: vestuário ou alimentação, escolher o que deixar no supermercado, na loja de pronto-a-vestir, na sapataria, escolher por vezes qual a conta que ficará por pagar hoje, à espera de poder ter a capacidade de o poder fazer na próxima semana ou no próximo mês.
Se em condições normais já é difícil para muitas pessoas, estes tempos de pandemia de COVID-19 vieram agravar a situação. Começou em março, com a suspensão das aulas, que obrigou muita gente a ficar em casa, a cuidar dos filhos menores. Na sequência da declaração do Estado de Emergência e da imposição de medidas de confinamento, aconteceu o mesmo à maioria da população.
Para quem está nesta franja mais vulnerável da população o teletrabalho raramente é opção, restringe-se a apenas 3% das pessoas mais mal pagas. A alternativa passou pelo lay-off ou pela perda de emprego, seja pela caducidade dos contratos de trabalho ou prestação de serviços, seja pelo despedimento por extinção dos postos de trabalho, agravando-se a sua situação. Ainda sem recuperação à vista, o novo estado de emergência que agora se anuncia não augura nada de bom.
Na ausência do anúncio de medidas de apoio aos trabalhadores e às empresas que possam ajudar colmatar esta anunciada perda de rendimento, urge reforçar os apoios sociais que permitam atravessar esta crise com o menor impacto. Nas famílias com crianças mais novas, o impacto será devastador, com implicações negativas no seu desenvolvimento adiando, para muitas delas irreversivelmente, a hipótese de sair da situação em que se encontram.
Entretanto, dos Açores chegam-nos notícias ainda mais preocupantes. O PSD alcançou um acordo com um partido que baseia o seu programa no ataque aos mais frágeis. Para poder constituir governo, um partido que se diz social-democrata aceitou reduzir a democracia, através da redução da representatividade, e comprometeu-se em reduzir para metade os apoios sociais. Isto numa região que partilha com a Madeira os piores indicadores nacionais em termos de pobreza.
Gostava de me enganar, mas prevejo que a breve trecho o barco da pobreza nos Açores vai ter mais gente dentro.
*Coordenado por José António Pereirinha e desenvolvido com a colaboração de professores e professoras da Universidade de Lisboa, da Universidade Católica Portuguesa e do ISCTE, em parceria com a Rede Europeia Anti-Pobreza.