Eugénio da Fonseca, opinião, in Público on-line
Perdoe o Papa Francisco, mas não concordo com ele ao pensar que a pobreza é um problema que está sempre a incomodar-nos. Se fosse assim não teríamos as escandalosas taxas de pobreza existentes no mundo, particularmente nos países em vias de desenvolvimento.Hoje assinala-se pela quarta vez o Dia Mundial dos Pobres. É uma iniciativa do Papa Francisco que resultou de uma outra, de grande significado, que foi a que Francisco promoveu ao convidar pobres da Europa a irem estar com ele, em Roma. Assim, quis encerrar o Ano Jubilar Extraordinário da Misericórdia, que decorreu entre 8-12-2015 e 20-11-2016. Tive a felicidade de participar com mais 172 portuguesas e portugueses, a grande maioria a viverem em situação de pobreza e/ou de exclusão social. Foram tão importantes os três dias passados em Roma que, no encontro final dos pobres com o Papa, ele anunciou que o domingo anterior à celebração do Dia de Cristo Rei passaria a ser um dia dedicado aos pobres. Para cada ano escolhe o tema para apoiar a reflexão de todas e todos que aceitem assinalar este dia. O escolhido para ano este é “Estende a tua mão ao pobre” (Sir 7,32).
A primeira questão que se pode colocar é a seguinte: tendo já sido instituído pela ONU o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, faz sentido haver outro dedicado praticamente ao mesmo assunto? Na verdade, as duas iniciativas têm alcances diferentes e, ambas, de enorme significado. O dia criado pelas Nações Unidas aponta para a necessidade de se manter, em contínuo, a sensibilização para a tomada de consciência coletiva de que é possível eliminar a pobreza absoluta existente na Terra, e para a necessidade da criação de medidas de políticas públicas que obriguem a compromissos nacionais e internacionais. O Dia Mundial dos Pobres aponta para uma proposta de, com ações de proximidade, ir ao encontro das pessoas em situação de privação de recursos financeiros e de outros bens; dar rostos a quem está a viver na pobreza e a tratá-las pelo “nome” para que saibam que não estão sós; demonstrar que o pobre não é um pária mas um irmão a exigir maiores cuidados.
A partir do lema escolhido, o Papa escreve uma mensagem dirigida, especialmente, aos cristãos católicos, mas que não deixa de interpelar a todas e todos que estejam motivados para a superação deste desgraçado flagelo. No n.º 4 desta mensagem, Francisco desafia-nos a que o “encontro com uma pessoa em condições de pobreza não cessa de nos provocar e questionar" para, a seguir, perguntar: “Como podemos contribuir para eliminar ou pelo menos aliviar a sua marginalização e o seu sofrimento?”
Perdoe o Papa Francisco, mas não concordo com ele ao pensar que a pobreza é um problema que está sempre a incomodar-nos. Se fosse assim não teríamos as escandalosas taxas de pobreza existentes no mundo, particularmente nos países em vias de desenvolvimento.
Muitas ouras medidas são imperiosas para acabar com as desigualdades gritantes, mas deixo estas à vossa reflexão a propósito deste dia em que somos convidados a aproximarmo-nos de uma pessoa pobre
Em compensação deste desacordo, ouso aproveitar-me de algumas respostas que o próprio Bispo de Roma, na mesma mensagem, dá à pergunta que coloca, ou seja: i) Lembrar a todos o grande valor do bem comum que leve ao compromisso vital de não esquecer ninguém cuja dignidade é violada nas suas necessidades fundamentais; ii) Trabalhar pelo desenvolvimento de uma verdadeira cultura do cuidado do meio ambiente; iii) Acabar com os “offshores” que contribuem para “a riqueza de restritas oligarquias e a miséria de multidões ou a falência de nações inteiras"; iv) Punir, musculadamente, os países que se desenvolvem com dinheiro proveniente da venda de armas que outras mãos, incluindo de crianças, utilizarão para semear morte e pobreza; v) Aniquilar a corrupção que, em troco de favores ilegais, gera lucros fáceis; vi) Denunciar a hipócrita respeitabilidade daqueles que “estabelecem leis que eles mesmos não observam”.
Muitas ouras medidas são imperiosas para acabar com as desigualdades gritantes, mas deixo estas à vossa reflexão a propósito deste dia em que somos convidados a aproximarmo-nos de uma pessoa pobre.
Presidente da Cáritas Portuguesa