Marta Moitinho Oliveira, Público on-line
A partir do próximo ano e até 2026 vão entrar em Portugal quase 13 mil milhões de euros em fundos europeus que serão usados na resposta à crise gerada pela pandemia. O trajecto desses fundos pode ser contado em nove passos.
Portugal vai receber quase 13 mil milhões de euros em subvenções da União Europeia (UE) no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência para reforçar a ajuda no combate à crise aberta pela pandemia. A maior fatia deste pacote vai para melhorar a resposta da saúde, da habitação e para resolver vulnerabilidades sociais.
O bolo total chegará a Portugal entre 2021 e 2026. Mas como? Que caminho fazem os fundos europeus até se transformarem nos projectos e obras que os justificaram? As verbas que vêm da UE no âmbito dos pacotes de fundos seguem um conjunto de passos importantes que servem para garantir que os dinheiros comunitários vão para as mãos certas e para cumprir os objectivos traçados. Aqui fica o caminho em nove passos.
1.º Passo - Definir o bolo de dinheiro atribuído a cada país
Para montar um programa de fundos europeus como o PT 2020 (em vigor) ou o PT 2030 (o próximo) é preciso em primeiro lugar definir o pacote financeiro que é atribuído a cada país. Com esta informação, o estado-membro assina com a Comissão Europeia o Acordo de Parceria, uma espécie de contrato onde o país diz em que programas vai usar o dinheiro e a que necessidades responde. Nesta fase está construído uma espécie de armário (o acordo) onde cada gaveta (os programas) contém uma verba para distribuir ao longo dos vários anos do programa e que obedece a diversas regras: os regulamentos da Comissão, as quotas fixadas para cada política, entre outras.
2.º Passo - Encontrar o gestor de cada programa
Depois de definidos os programas, conhecidos os regulamentos e fixadas as prioridades políticas, é preciso ver quem vai ser a entidade gestora de cada um deles. Cada programa tem uma verba definida para a assistência técnica, ou seja, para pagar à equipa que vai gerir este programa. É criada uma estrutura composta por um conselho de administração, corpo técnico e secretariado, cujos dirigentes máximos são escolhidos por concurso público. São estas pessoas que vão acompanhar todo o programa desde o princípio até ao fim. No entanto, há duas partes importantes pelas quais não são responsáveis: a entidade gestora não define prioridades políticas - são os ministros responsáveis pelo respectivo programa - e não fazem pagamentos aos ‘donos’ dos projectos de investimento. São entidades gestoras, por exemplo, a Agência para o Desenvolvimento e Coesão (para projectos do Ministério do Planeamento), o Compete (para projectos do Ministério da Economia) ou o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020 (para projectos do Ministério da Agricultura).
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3.º Passo - Abrir os concursos
Nesta altura, são lançados os concursos para que as entidades privadas ou públicas se possam candidatar aos fundos europeus do programa. O concurso público define um conjunto de condições: o prazo de apresentação das candidaturas, que tipo de despesas podem ser financiadas por estes fundos e a partir de quando (imediatamente, só depois da aprovação da candidatura ou se até podem ser aceites despesas já efectuadas - o que por vezes acontece com programas para financiar gastos com recuperações de intempéries), que tipo de entidades se podem candidatar (só entidades públicas, empresas com um número limite de trabalhadores, entidades sem fins lucrativos), se se referem a projectos com circunscrição territorial, qual o montante disponível, qual o montante máximo por candidatura e de candidatura por beneficiário. O concurso público diz ainda em que medida do programa se insere de forma a que quem se queira candidatar possa consultar toda a legislação e regulamentos. Além disso, define os critérios de valoração que dão pontos às candidaturas, como por exemplo se criam postos de trabalho, se apoiam jovens agriculturas, questões que estão relacionadas com a medida em causa. A informação sobre o concurso é bastante detalhada para que todos os interessados saibam ao que vão.
4.º Passo - Analisar as candidaturas
A análise das candidaturas só começa a ser feita depois de terminada a fase de entrega. Primeiro, olhar para as candidaturas e começar a ordená-las com base em duas informações importantes: ver as que estão completas e as que não estão - por vezes faltam papéis relevantes que não foram entregues - para depois perceber quais delas passam à frente na classificação por acumularem pontos a favor (como as que, por exemplo, criam postos de trabalho ou apoiam jovens agricultores, uma questão que está dependente dos critérios fixados no concurso). Com base nesta informação, as candidaturas começam a ser hierarquizadas. No entanto, há outro ponto relevante a ter em conta: a restrição financeira. Imaginemos que o projecto em causa tem um limite de 20 milhões de euros. Candidaturas com projectos acima deste montante (por exemplo, 30 milhões de euros) são postas de parte. São ainda analisados os planos de negócio das candidaturas para que seja verificada a viabilidade do projecto e as possibilidades de alcançar os objectivos pretendidos. Tendo em conta todos estes elementos essenciais que servem de base para arrumar as candidaturas por ordem, está construído o ranking e encontrado o vencedor do concurso, bem como os possíveis sucessores caso seja detectado algum problema. Quando o vencedor é uma entidade pública - porque o concurso se dirige a entidades públicas - o concurso tem de ter o visto prévio do Tribunal de Contas. Esta situação acontece, por exemplo, nos casos de construção de um centro de saúde, em que é a autarquia que se candidata aos fundos europeus.
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5.º Passo - Fechar contrato com o vencedor
Assim que está identificado o vencedor do concurso, é feita a assinatura do termo de aceitação, um procedimento que se faz online mas que por vezes pode ser feito de forma presencial quando se quer dar mais visibilidade pública ao projecto em causa. Este compromisso é assumido já com a entidade pagadora. É a partir deste momento que o vencedor do concurso começa a pôr de pé o projecto. Compra os materiais, os equipamentos e tudo o que precisa para a obra/projecto. Nesta fase, o dono do projecto adianta o dinheiro nas compras que vai fazendo, podendo pedir apenas um adiantamento.
6. º Passo - Chegada das facturas
À medida que vai fazendo pagamentos para concretizar os projectos, o dono do projecto tem de ir guardando as factura com as despesas que faz. Só com estes comprovativos conseguirá, junto da entidade pagadora, recuperar o investimento que está a fazer. Este processo - lança o projecto, faz a despesa, guarda a factura e pede o reembolso - tem de ser feito durante o tempo de concretização do projecto que está pré-definido.
7.º Passo - Confirmar as facturas
Antes de reembolsar as facturas, a entidade pagadora tem de verificar se um conjunto de condições estão verificadas. Por exemplo, não são reembolsadas despesas com bens em segunda mão. Além disso, são cruzadas as informações dos gastos previstos na factura com o fornecedor e com o extracto bancário. O objectivo é provar que aquele dinheiro saiu efectivamente da conta bancária do dono do projecto/obra. No entanto, existem excepções, para despesas de valores mais pequenos que implicam pagamentos abaixo de 200 euros. Depois de certificados os detalhes da factura, as entidades pagadoras entregam o dinheiro ao beneficiário. Se ocorrer alguma suspeita neste processo de pedido de reembolso quanto à boa utilização dos fundos europeus, as entidades pagadoras têm de encaminhar o processo para o Ministério Público a fim de verificar se se confirmam as suspeitas.
8º. Passo - Verificar o cumprimento dos objectivos
Além da verificação das facturas há outros aspectos que têm de ser cumpridos relacionados com o cumprimento dos objectivos. Por exemplo: imagine-se um projecto que tinha como meta criar 100 postos de trabalho, mas só cria 20. Trata-se de um projecto que ficou aquém dos objectivos a que se propôs e que tendo sido contratualizados e não sendo cumpridos pode originar a devolução de uma parte dos fundos. No entanto, os projectos podem ser ajustados à medida que o tempo passa por forma até a adaptá-los a novas conjunturas económicas. As actualizações dos projectos têm de ser aprovadas pelas entidades pagadoras, podendo até envolver as entidades gestoras que voltam a avaliar o projecto, agora com novos parâmetros.
9.º Passo - Pedir o dinheiro a Bruxelas
À medida que vai recebendo as facturas e pagando, o Estado português pede o reembolso junto dos serviços da Comissão Europeia que vai disponibilizando os fundos. Nesta fase, as facturas voltam a ser verificadas. Perante dúvidas, o executivo comunitário recorre ao European Anti-Fraud Office (OLAF) que é a entidade responsável pela investigação de casos de fraude que lesam o orçamento comunitário.
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