16.11.20

Um projeto entregou quase 5 mil euros a 50 pessoas sem-abrigo. Ao fim de um ano, os resultados foram impressionantes

João Moreira da Silva, in Visão

As conclusões dos investigadores do Canadá contrariam vários “estereótipos negativos” - as pessoas sem-abrigo que receberam os 7500$ conseguiram arrendar uma casa própria e fazer uma boa gestão do dinheiro ao longo de um ano. O estudo apresenta pontos a favor do "Rendimento Básico Universal"

Em outubro, foram divulgados os resultados do New Leaf Project – o “primeiro programa de transferência direta de dinheiro para encorajar pessoas sem-abrigo a superarem as suas dificuldades.” O estudo foi organizado pela associação de caridade Foundations for Social Change, em parceria com a University of British Columbia.

O procedimento do projeto foi simples: a Fundação identificou 50 pessoas na área da cidade de Vancouver, no Canadá, que tinham ficado em situação de sem-abrigo nos passados dois anos. Na primavera de 2018, entregaram a cada pessoa 7500 dólares canadianos – cerca de 4850 euros – e disseram-lhes para fazerem o que quisessem com o dinheiro.

Resultados que contrariam “estereótipos negativos”

Ao longo do ano seguinte, os investigadores comunicaram regularmente com os cinquenta participantes para perguntar como é que eles estavam a usar o dinheiro e o que se estava a passar nas suas vidas.

Ao mesmo tempo, os investigadores também seguiram um grupo de 65 pessoas sem-abrigo que não receberam qualquer dinheiro, de forma a poder comparar o comportamento dos dois grupos. No entanto, a associação garantiu que tanto o grupo que recebeu dinheiro como o grupo que não recebeu tinham acesso a workshops de planeamento de vida e ajuda profissional.

No final, os resultados do estudo foram extremamente positivos: as pessoas que receberam os 7500$ conseguiram arrendar uma casa própria e, ao mesmo tempo, poupar dinheiro suficiente para ter estabilidade financeira. Por outro lado, os seus gastos em drogas, tabaco e álcool diminuiu em média 39%, com os seus gastos em comida, roupa e renda a subir exponencialmente.

De acordo com o estudo, a transferência de dinheiro para este grupo de pessoas também poupou dinheiro à sociedade em geral. Os centros de abrigo de Vancouver gastam 8100$ por ano para acolher uma só pessoa, o que se traduz em 405 mil dólares canadianos (cerca de 262 mil euros) por ano para albergar este grupo de 50 pessoas. Por sua vez, o projeto entregou 375 mil dólares canadianos aos 50 participantes – ou seja, o projeto gastou menos dinheiro do que o centro de abrigo teria gasto para acolher estas pessoas sem-abrigo.

Apesar de ser um estudo de pequena escala, os resultados refutam a ideia generalizada de que as pessoas ficam pobres porque não conseguem fazer escolhas racionais ou não têm autocontrolo sobre si mesmas – traduzindo-se na ideia de que dar dinheiro a pessoas sem-abrigo iria levá-las a gastá-lo em coisas frívolas e substâncias aditivas como drogas.

Neste sentido, Claire Williams, a CEO da Foundations for Social Change, disse à Vox que os resultados “contrariam estereótipos muito negativos, porque as pessoas fizeram escolhas financeiras inteligentes.”

Porquê entregar grandes somas de dinheiro de uma vez?

Através da análise de 19 estudos, o Banco Mundial concluiu que, em determinados contextos, as transferências de dinheiro para indivíduos podem ser benéficas para a educação, saúde e combate à pobreza – e têm um efeito negativo nos gastos em “bens de tentação”, como álcool e tabaco. No entanto, esta entrega de dinheiro pode ser feita de modos diferentes – como, por exemplo, uma transferência mensal ou uma grande soma de dinheiro entregue de uma só vez.

A equipa de investigadores do Canadá optou pela segunda opção, ao entregar os 7500$ a cada participante para se poderem sustentar durante um ano inteiro. De acordo com Claire Williams, “os estudos indicam que, ao transferirmos grandes somas de dinheiro a pessoas de uma só vez, isso vai promover o pensamento a longo prazo.”

Assim, a ideia é garantir que as pessoas podem fazer planos para o futuro, e não apenas pensar na sua sobrevivência no dia-a-dia: “uma pessoa não pode pensar em inscrever-se num curso para subir na vida se não tem dinheiro suficiente para comer no próprio dia. Dar uma grande soma de dinheiro de uma vez dá mais margem de manobra às pessoas”, disse a CEO da Foundations for Social Change.

A ideia do rendimento básico universal

Claire Williams contou à Vox que teve a ideia para este estudo quando o co-fundador do projeto lhe enviou um vídeo de uma “TED Talk” de 2014, com o historiador Rutger Bregman, intitulado “porque devemos dar a todos um rendimento básico.”

Bregman, o historiador holandês que escreveu o livro “Utopia para Realistas”, tem defendido ideias como o rendimento básico universal, fronteiras abertas e uma semana de trabalho de 15 horas. No seu pensamento “utópico, mas realista”, considera que a forma mais eficiente de ajudar as pessoas é entregar-lhes dinheiro, porque lhes garante autonomia e responsabilidade – como também sustenta o estudo em questão.

A ideia de um rendimento básico para toda a população, em que o Governo entrega a cada pessoa uma determinada quantia de dinheiro todos os meses sem pedir nada em volta, tem ganho adeptos ao longo dos últimos anos. Países como o Quénia, o Irão, ou o Estado do Alaska, nos EUA, têm testado programas de implementação de um rendimento básico – se forem bem-sucedidos, o modelo pode ser adotado por cada vez mais governos à escala mundial.

Por sua vez, os críticos do rendimento básico universal alertam para a falta de incentivo ao trabalho quando toda a gente recebe dinheiro sem nada em troca e que, por outro lado, os governos não têm forma de dar dinheiro a toda a gente. No entanto, os resultados da experiência do Alaska apontam no sentido contrário: a entrega de dinheiro não teve qualquer impacto negativo no trabalho, e até encorajou as famílias a terem mais filhos. Resta saber se, à escala mundial, o rendimento básico universal é praticável.