Samuel Silva, in Público on-line
No 1.º ciclo, 60% dos alunos faz menos de duas horas de exercício por semana. Ministério da Educação estudou pela primeira vez a actividade física da população escolar.“É caro” fazer desporto, queixa-se um quinto das crianças do 1.º ano que não faz exercício fora da escola, conclui um estudo pedido pelo Ministério da Educação que, pela primeira vez, mandou estudar a actividade física entre a população estudantil. Os resultados mostram também que as crianças dedicam poucas horas por semana ao exercício físico.
O “Inquérito aos Hábitos Desportivos da População Escolar Portuguesa”, publicado neste fim-de-semana pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), mostra que a generalidade dos alunos do 1.º ciclo faz algum tipo de desporto, seja de forma espontânea (89%) ou organizada (70%). O problema está na intensidade dessa actividade. Quase dois terços das crianças fazem menos de duas horas de exercício por semana.
Isto é, 40% das crianças pratica desporto entre uma a duas horas semanalmente. Outros 20% fazem exercício menos de uma hora em cada semana. Apenas 13% dos alunos do 1.º ciclo tem uma prática física mais intensa, de quatro ou mais horas.
Quando questionados sobre os motivos para não praticar desporto, as justificações dos alunos que não fazem exercício são surpreendentes. A resposta mais comum (26%) é a “falta de tempo”. E mais de um quinto (21%) dos alunos do 1.º ciclo diz que “é caro” praticar um desporto.
A justificação não surpreende o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Jorge Ascenção: “Isto não é para todas as famílias.” A inscrição num clube desportivo pode custar mais de 30 euros mensais. A esta verba é preciso acrescentar os custos de inscrição na respectiva federação, o exame físico obrigatório no início de época (entre 15 e 20 euros) e os gastos com os equipamentos de treino e competição, que também são suportados pelas famílias.
É preciso ter “alguma capacidade financeira” para, “além dos gastos familiares habituais”, ainda assumir os custos da prática desportiva organizada, sublinha Ascenção.
“Para as classes sociais baixa e média, o custo que é fazer actividade desportiva nos clubes não é suportável”, concorda Carlos Neto, professor da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa. Além disso, “falta disponibilidade aos pais para levar as crianças para ter actividade desportiva nos clubes”, acrescenta. A estes obstáculos junta-se ainda a visão “selectiva e não formativa” de muitos clubes, que fecham as portas a crianças com menos talento.
Pelo contrário, “na escola entra toda a gente”, sublinha este especialista em desenvolvimento físico nas crianças. “Portanto, devia ser uma obrigação pública, do Estado, que todas as crianças tivessem uma literacia motora, tal e qual como aprendem a ler, escrever e contar”, defende (ver entrevista ao lado).
No entanto, os resultados do inquérito da DGEEC mostram que, para os alunos do 1.º ciclo, não é a escola que se inverte a tendência de falta de exercício. Ainda que a generalidade dos estudantes (94%) tenha Expressão Física Motora, um domínio do currículo que pode ser trabalhado pelos professores titulares ou no âmbito das Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC), a frequência de aulas desta disciplina é reduzida. Para a esmagadora maioria – entre 80 a 90%, conforme o ano de escolaridade em que se encontram – o desporto ocupa apenas 30 a 60 minutos da sua semana na escola.
É no 4.º ano que os alunos conseguem ter mais tempo dedicado ao exercício em contexto escolar: 16% tem mais de uma hora de Expressão Física Motora por semana. Ainda assim, 5% dos alunos mais velhos do 1.º ciclo tem menos de 30 minutos semanais desta disciplina. Pelo contrário, no 1.º ano, só 4% dos alunos têm mais de uma hora em cada semana, ao passo que 6% só têm meia hora de Expressão Física Motora nos seus horários.
Este cenário evolui positivamente nos anos de escolaridade seguintes – o estudo da DGEEC que agora é publicado tem um segundo volume dedicado à actividade física entre os alunos do 2.º e 3.º ciclos e do ensino secundário. A generalidade (sempre acima dos 80%) dos alunos destes níveis de ensino tem aulas de Educação Física duas vezes por semana. No entanto, a frequência vai diminuindo à medida que estes avançam no seu percurso escolar. No 2.º ciclo, só 1% dos inscritos tem Educação Física uma vez. No ensino secundário, varia entre 12 e 14% o número de alunos que só faz exercício em contexto de aula uma vez por semana.
Esta foi a primeira vez que um organismo tutelado pelo Ministério da Educação estudou os hábitos desportivos da população escolar. Na base deste trabalho está um questionário escrito que foi aplicado aos alunos do 1.º ao 12.º ano, envolvendo uma amostra representativa de alunos das várias regiões do país. Os dados que agora são publicados em dois volumes são relativos ao ano lectivo 2016/17. A intenção da tutela é de que esta avaliação seja agora repetida a cada quatro anos. Ou seja, o estudo será novamente realizado no ano lectivo que está em curso.
Os resultados deste inquérito dão também dados sobre as actividades físicas e desportivas mais comuns entre os estudantes, que são bastante diferentes em função de a actividade ser informal ou organizada, no âmbito de um clube desportivo. A actividade física informal preferida dos alunos do 1.º ciclo é andar de bicicleta (21%). Curiosamente, este é também a modalidade mais desejada (15%) pelos alunos que não praticam exercício fora da escola. Seguem-se nas preferências caminhar (17%), correr (15%) e jogar futebol (14%).
Já quando a prática desportiva é organizada é a natação (21%) a mais popular. Seguem-se o futebol (17%), a ginástica (14%) e a dança (11%). Os dados revelam uma forte diferenciação por sexo. A natação é o desporto mais paritário (praticado por 26% das raparigas e 21% dos rapazes), enquanto o futebol é uma prática eminentemente masculina (jogado por 30% dos rapazes e só 5% das meninas). Na dança dá-se o fenómeno inverso: 22% entre as alunas e só 3% de alunos.
Actualização 12h34: Corrige o título e entrada. Não é um quinto dos estudantes que não pratica desporto porque “é caro”, mas um quinto dos que não o faz justifica-o com esse motivo.