2.11.20

Aumentou o número de crianças retiradas aos pais por exposição a violência doméstica

Rita Robalo Rosa, in Público on-line

No ano passado houve mais crianças retiradas à família por exposição a violência doméstica do que em 2018. Aposta da Segurança Social passa por famílias de acolhimento para os mais novos e apartamentos de autonomização para os mais velhos. Relatório de 2019 sobre o acolhimento de crianças e jovens retirados às famílias chegou na quinta-feira à Assembleia.

Em 2019 havia 7046 crianças em instituições de acolhimento, mais 14 do que em 2018, o que representa um aumento de 0,2%. Foi a primeira subida neste número desde 2015, mas representa um decréscimo de 23% face ao início da década, quando havia 9136 crianças nesta situação. É também a primeira vez, em dez anos, que o número de entradas de crianças e jovens no sistema é superior ao de saídas. Algumas das crianças que entraram vinham de situações de risco, nomeadamente exposição a violência doméstica, situação que aumentou face a 2018.

Os dados foram divulgados no relatório CASA – Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens, que deu entrada esta quinta-feira na Assembleia da República. O relatório foi elaborado pelo Instituto da Segurança Social (ISS), pela Casa Pia de Lisboa, pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e pelo Instituto da Segurança Social da Madeira e dos Açores.


Entre o total de crianças e jovens em situação de acolhimento, a maioria (53%) é do sexo masculino e tem mais de 12 anos. A faixa etária com mais predominância é a dos 15 aos 17 anos (36%).

Destaca-se ainda a situação dos jovens com mais de 21 anos que ainda se mantêm em situação de acolhimento. São 229, mais 89 que em 2018. Em 2017 o decreto de lei nº23 alargou o período de protecção dos jovens até aos 25 anos, desde que frequentem sistemas de ensino ou formação. A permanência destes jovens pode também justificar a diminuição do número de saídas do sistema.

Sendo que a maioria destes jovens tem mais de 12 anos, o projecto de vida com maior expressão é da autonomização, levar os jovens à saída do sistema, com a sua própria vida, que representa 39% dos projectos. A reintegração familiar – que, sempre que possível, é prioridade da Segurança Social – tem um peso de 37%. Para adopção seguem apenas 8% destas crianças.

O relatório ainda não compreende a situação pandémica vivida em 2020, situação que a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, espera ver no futuro como foi afectada. Mas como admitiu a vice-presidente do ISS, Catarina Marcelino, na apresentação do relatório, a situação terá algum impacto, “tal como tem nos idosos”.
Mais crianças retiradas aos pais por exposição a violência doméstica

As crianças podem chegar às instituições por diversas razões, sendo que a que se destaca é negligência, nomeadamente a falta de supervisão e acompanhamento familiar, tendo afectado no total 4037 crianças (57% do total, menos 1% face a 2018) — houve um ligeiro aumento de situações de negligência com cuidados educativos face ao ano anterior (2298 contra 2283).

O relatório exemplifica ainda casos de negligência relacionada com a saúde da criança, comportamentos de risco ou mesmo a exposição a comportamentos desviantes.

Quanto às situações de maus tratos psicológicos, em 2019 houve mais crianças a serem expostas à violência doméstica (689 face às 611 em 2018). Além desta, surgem como principais maus tratos psicológicos a rejeição activa e o abuso de autoridade.

Houve ainda 622 crianças retiradas às suas famílias por serem vítimas de maus tratos físicos.

No total, 707 crianças foram vítimas de algum tipo de violência sexual, sendo as raparigas as mais afectadas.
Um em cada 20 jovens tem problemas de saúde mental

As situações a que as crianças estão expostas levam a que possam desenvolver alguns problemas e fragilidades. No total, 4726 crianças apresentavam algum tipo de vulnerabilidade, no relatório apresentado como “característica peculiar”.

Destacam-se os problemas de comportamento, que foram observados em 1971 crianças (28%), maioritariamente entre os 12 e os 17 anos (77%). Destes problemas, a maior parte foi observado de forma ligeira (como impulsividade ou fugas breves).

No que diz respeito à saúde mental, registam-se situações de debilidade ou deficiência mental (15%), sendo que 8% apresentam deficiência mental clinicamente diagnosticada e 7% debilidade mental clinicamente diagnosticada. Adicionalmente, 5% apresenta problemas de saúde mental diagnosticados.

Quanto ao consumo de estupefacientes, houve uma grande redução (de 32%) face ao ano anterior. Em 2019 foi um problema para 280 jovens, especialmente entre os 12 e os 20 anos.

Segundo o relatório, 2519 crianças beneficiaram de acompanhamento psicológico regularmente, isto é, 36% do total. Também 1789 tiveram algum tipo de acompanhamento pedopsiquiátrico ou psiquiátrico regular (25%) e 1833 fazem medicação (26%).

Estes problemas foram caracterizados por Catarina Marcelino como um “grande desafio”, mas afirmou que o sistema está cada vez “a responder melhor”, com a ajuda médica a chegar a 1 em cada 4 crianças e jovens.
Segurança Social quer apostar nas famílias de acolhimento

De entre as mais de sete mil crianças e jovens, apenas 191 estavam entregues a famílias de acolhimento. Esta modalidade é a aposta da Segurança Social, tal como explicou a ministra, há o objectivo de “dar respostas cada vez mais personalizadas e em contexto familiar” para as crianças terem o seu próprio espaço. “Pretende-se alterar o paradigma do acolhimento familiar em Portugal tornando-o uma resposta”, lê-se no relatório.

Além dos dados de 2019, Ana Mendes Godinho acrescentou que a portaria para a regulamentação do acolhimento familiar está a ser ultimada e que o novo modelo de acolhimento familiar já está a ser implementado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que já concretizou o acolhimento de 18 crianças. A Santa Casa de Lisboa tem já 24 famílias aptas e mais 21 em avaliação.


Ainda sobre o ano passado, os dados mostram que 6129 crianças estavam em instituições de acolhimento residencial generalista, conhecidos como centros de acolhimento ou lares.

Outra modalidade, cada vez mais importante, são os apartamentos de autonomização. Estes espaços são uma forma de ajudar os jovens com mais de 15 anos a transitar para a vida adulta. Apesar de um ligeiro decréscimo face a 2018, ainda é a faixa etária dos 18 aos 20 anos a predominante neste tipo de acolhimento.

“Se nós queremos que estes processos tenham sucesso, não podemos chegar ao fim do processo de acolhimento e fazer um encerramento abrupto”, disse a vice-presidente do ISS. “Os apartamentos ajudam a esta transição e é uma aposta que queremos fazer.”
218 crianças foram adoptadas

Desde 2017 que o número de crianças que sai do acolhimento tem diminuído. No ano passado 2476 crianças e jovens cessaram acolhimento, menos 172 do que em 2018. São os jovens com mais de 18 anos os que mais saíram das instituições (43%).

Estes jovens só continuam sob protecção da Segurança Social caso expressem claramente esse pedido, caso contrário cessam o acolhimento. Destas cessações, mais de mil foram reintegrados na suas famílias e 218 foram adoptados.

No entanto, assim como estas crianças saíram, houve outras que reentraram no sistema, mais precisamente 180. A maioria destas crianças tinha já mais de 12 anos e provinha de “meio natural de vida” (estava com os pais ou com outro familiar). Sete destas crianças tinham adopção decretada.

O relatório indica ainda que o tempo de permanência em situação de acolhimento diminuiu para 3,4 anos em 2019, menos 0,6 que no ano anterior.