Paulo Pinheiro, in Dinheiro Vivo
Avaliação para o Fundo Social Europeu conclui que a opção pode ser mais eficiente e servir para eliminar o estigma. ONG apoiam.
Asolução ainda está a ser estudada para ajustar às futuras regras do Fundo Social Europeu, mas Portugal quer estar na linha da frente para adotar uma solução de apoio alimentar às pessoas mais carenciadas, pelo menos é essa a intenção do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS). Para já, a Comissão Europeia pediu uma análise de projetos que utilizam cartões eletrónicos - semelhantes aos cartões de refeição das empresas - para avaliar a sua viabilidade dentro dos novos regulamentos propostos para o Fundo Social Europeu Plus (FSE+).
Para tal, foram avaliados sete projetos desenvolvidos por organizações não governamentais (ONG) e autoridades locais em cinco Estados-membros: Bélgica, França, Itália, Lituânia e Espanha. O estudo foi realizado entre dezembro de 2019 e janeiro deste ano e teve o duplo objetivo de "identificar e analisar a conceção e implementação dos regimes de e-voucher existentes na União Europeia" e, ao mesmo tempo, "avaliar a compatibilidade dos casos identificados com o quadro do FSE+".
Os e-vouchers permitem acesso a produtos ou serviços pré-definidos, através de um valor numerário (por exemplo 50 euros), um bem ou quantidade desse bem ou uma combinação.
Mas também há restrições, como o tipo de produtos a adquirir ou se apenas são válidos em espaços comerciais definidos (comércio local). Estes vouchers podem ser em forma de cartão eletrónico (tipo cartão bancário) ou de um código que permite o posterior reembolso do comerciante.
O regime belga (Ticket S), por exemplo, dirige-se às famílias mais necessitadas, com o objetivo de aumentar o poder de compra, conduzindo à independência financeira. Existe desde 1996 na cidade de Antuérpia, primeiro em papel e a partir de 2018 em formato eletrónico. O voucher pode ser usado para comprar produtos alimentares (exceto álcool e tabaco) em mais de 25 mil lojas em todo o país.
Em Itália, existe a carta acquisti, um e-voucher que arrancou em 2008 - por causa da crise financeira - para combater a pobreza e a privação material. Destina-se a residentes no país até três anos de idade e a pessoas com mais de 65 anos com graves dificuldades económicas. O projeto é da responsabilidade do Ministério das Finanças e do Instituto de Segurança Social. O cartão permite aos beneficiários ter descontos na aquisição de alimentos e de alguns medicamentos e pagar as faturas do gás e da eletricidade.
Na Lituânia, as famílias em risco podem receber até 50% dos benefícios sociais sob a forma de cartão eletrónico. Apenas podem ser usados para comprar produtos vendidos nos supermercados, com exceção de tabaco, álcool e bilhetes de lotaria.
Aqui mesmo ao lado, em Espanha, foram avaliados dois programas: o CaixaProinfancia, para as famílias abaixo da linha de pobreza; e o cartão da Cruz Vermelha/Carrefour.
No primeiro exemplo, trata-se de um projeto da Fundação La Caixa lançado em 2017 em alternativa aos tradicionais cheques e abrange a compra de produtos de nutrição e higiene infantil, material escolar, óculos e aparelhos auditivos. O segundo, é um cartão desenvolvido pela Cruz Vermelha Espanhola em parceria com a Fundação Carrefour em resposta aos impactos da crise económica de 2008, no âmbito de programas de combate à pobreza e exclusão social.
Menos fraudes
Uma das vantagens identificadas pela análise a estes projetos é a redução do risco de fraude. "A avaliação sugere que os vouchers eletrónicos representam menos risco de fraude do que os de papel. Por esta razão, o regime belga de vale-refeição mudou do papel para vouchers eletrónicos. O sistema francês de vouchers em papel foi identificado por partes interessadas como um que carrega riscos particularmente elevados", refere o relatório E-vouchers for the most deprived, publicado em fevereiro deste ano.
Mas também a eficiência de um mecanismo deste género é apontada como vantagem, além da "redução de custos e burocracia para as autoridades contratantes". O relatório aponta ainda os benefícios para o comércio local.
A redução do estigma é outro ponto positivo enumerado no relatório e sublinhado pelas ONG. "É muito mais razoável, humano e integrador, criar formas que não sejam humilhantes e estigmatizantes de ter acesso aos bens", frisa o presidente em Portugal da Rede Europeia Anti-Pobreza, Agostinho Jardim Moreira.
"Ter um meio alternativo de apoiar as famílias é muito importante; é o que fazemos com os vouchers para aquisição de bens essenciais, o que também já acontece com os cartões de refeição das empresas. Não é uma coisa estranha", aponta Rita Valadas da Caritas Portuguesa, lembrando que "a determinada altura já se tinha colocado a hipótese com a SIBS [gestora da rede multibanco] de preparar uma coisa deste tipo".
Esta responsável alerta para as questões de segurança, que também são dúvidas levantadas pela Comissão Europeia. "Desde que tenha um processo de segurança que garanta o fim a que se destina o cartão, não só é mais ágil, mais digno, como se evita alguma corrupção", refere Rita Valadas.
Também o Padre Jardim Moreira indica que a ideia de criar cartões eletrónicos já tinha sido colocada em cima da mesa. "Já tínhamos feito essa proposta às entidades portuguesas porque as pessoas mais débeis também têm os seus gostos e a sua autonomia e achávamos que era preferível dar-lhes um cartão, magnético ou não, para adquirirem os produtos de que mais gostam", mas "havia resistência de Bruxelas", lembra este responsável, uma vez que os regulamentos não contemplam a utilização destes mecanismos; "mas neste momento as coisas já evoluíram", afirma.
Um cartão contra a fome
Mas estes mecanismos não devem ser vistos como a solução para toda a resposta à pobreza. "Isto pode ser importante nomeadamente em alguns momentos de crise, mas nunca deve ser entendido como um substituto aproximado de políticas públicas que conjuguem o apoio às famílias com processos de inclusão social efetivos", alerta o economista Carlos Farinha Rodrigues, especialista em questões de pobreza e desigualdade.
De acordo com o MTSSS, a criação de um mecanismo de apoio através de cartão eletrónico ou e-voucher está a ser avaliada, mas não há datas para avançar, até porque é preciso negociar as regras com a Comissão Europeia.
Atualmente, o Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas é o mecanismo de apoio alimentar e outros bens de consumo básico, sendo cofinanciado em 85% pelo Fundo Europeu de Auxílio às Pessoas Mais Carenciadas (FEAD). No ano passado, este apoio chegou a cerca de 120 mil pessoas em Portugal.