Alfredo Maia, in JN
Apoios sociais do Estado são escassos e não tiram as pessoas da pobreza
Praticamente um terço do trabalhadores e quase metade dos desempregados estão na pobreza. Baixas qualificações, baixos salários, filhos adultos sem emprego e doença na família explicam retrato.
Quase 60% dos pobres com mais de 18 anos em Portugal trabalham. Além dos 26,6% em situação precária, os trabalhadores com um contrato são quase um terço das pessoas em situação de pobreza. Ou seja, do total de empregados, quase 11% são pobres. Esta é uma novidade do estudo "A Pobreza em Portugal - Trajetos e Quotidianos", coordenado pelo sociólogo Fernando Diogo, da Universidade dos Açores e investigador no CICS.NOVA - Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, para a Fundação Francisco Manuel dos Santos e que será apresentado esta segunda-feira.
Para o especialista em temáticas da pobreza, que liderou uma equipa de 11 investigadores de oito universidades e de instituições de pesquisa, o que o surpreende é o facto de "a maior parte ter contrato efetivo há muitos anos: 10, 20 ou mais". Há várias razões, explica ao JN: famílias com vários filhos, por vezes adultos e sem trabalho, em que "o ordenado escasso é dividido por todos". Há, também, casos de mudança frequente de emprego, de atividade e de patrão, no que o estudo designa por trajetórias em carrossel. E a perpetuação do modelo de baixa produtividade, de baixas qualificações e de baixos salários.
Partindo dos inquéritos do Instituto Nacional de Estatística às condições de vida e rendimentos das famílias (ICOR), o estudo acentua que, com mais ou menos oscilações, um quinto da população vivia em situação de pobreza entre 2003 e 2018. Nesse ano, a taxa de pobreza era de 17,2% (1,7 milhões de pessoas), já após apoios sociais (exceto pensões).
Decompondo a população pobre com mais de 18 anos, o projeto estudou os perfis dos empregados, que representam 32,9% dos pobres e 10,8% do total da população empregada. Seguem-se os reformados (27,5%), ou seja, 17% dos pensionistas são pobres; o dos precários (26,6% do total na pobreza); e o dos desempregados (13%). Quase metade destes é pobre.
A grande maioria dos 87 entrevistados no estudo qualitativo vive um processo de reprodução intergeracional da pobreza e começou a trabalhar de forma precoce. Como precoce foi o abandono escolar, mesmo o dos que nunca chumbaram. Mas era preciso ajudar em casa - complementar o rendimento, suprir a falta de um progenitor, tomar conta do gado.
As baixas ou muito baixas qualificações refletem-se na dificuldade em associar atividades laborais a uma profissão, no facto de parte significativa não ter gostado das atividades que realizou, ou na própria perceção de pobreza. Comparando-se com os que estão na miséria, alguns declararam não ser pobres. Um assegurou que só o seria se vivesse debaixo da ponte.
Vinte euros fazem diferença
Pequenas quantias, de 20 ou 30 euros por mês, têm um impacto muito forte no orçamento doméstico, diz o estudo. Muitos apoiam familiares, ou são por eles ajudados, para sobreviver ou enfrentar despesas básicas. O caso piora com a morte de familiares, com a doença do próprio ou de familiares, ou com a separação, com efeitos no rendimento do agregado, questões que Fernando Diogo diz não terem estado previstas no guião, mas que são importantes.
A morte e a doença desafiam e questionam os apoios do Estado (subsídio de desemprego, subsídio de doença, reformas antecipadas por invalidez, o RSI, o abono de família). "São escassos, não fazem a diferença para tirar as pessoas da pobreza, mas fazem a diferença na vida das pessoas. Se não existissem, a situação seria muito pior", nota o investigador.
Apesar deste quadro, "a resignação é o sentimento predominante na avaliação que os entrevistados fazem da sua vida" e "a maioria considera-se feliz", diz o estudo.
2,4 milhões em risco
Em 2017, as famílias em situação de pobreza ou exclusão social somavam quase 2,4 milhões de pessoas, ou seja, 23,3% do total da população portuguesa.
1,7 milhões de almas
O último inquérito anual do INE às condições de vida e rendimentos das famílias, relativos a 2019, mostra uma descida da taxa de pobreza para 16,2%, ainda próximo dos 1,7 milhões de almas. O risco de pobreza ou exclusão social era de 19,8%, abrangendo mais de dois milhões de pessoas.
Os três D da pobreza
O estudo "A Pobreza em Portugal" destaca três fatores de entrada na pobreza: o divórcio, o desemprego e a doença.
Limiar de pobreza
É um valor estimado por ano, com base no Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, que corresponde a 60% do valor do rendimento mediano (por adulto) em determinado ano.
Taxa de pobreza
É um valor estimado por ano, com base nos dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, que corresponde à percentagem de indivíduos com rendimento inferior ao limiar de pobreza.