12.4.21

Um em cada cinco trabalhadores independentes da cultura ganha o salário mínimo ou menos

Sérgio C. Andrade, in Público on-line

Segundo relatório do Observatório Português das Actividades Culturais sobre o sector descreve quadro de informalidade laboral e baixas remunerações.

A informalidade, que resulta em vínculos precários e de curta duração, é uma das características dominantes das relações laborais dos profissionais independentes das artes e da cultura em Portugal, metade dos quais não ganha mais do que 600 euros por mês. “São valores muito baixos, associados a fraca actividade remunerada, ou a actividades com baixa remuneração, ou mesmo não remunerada (voluntariado), que não garantem uma autonomia no sector”, descreve o relatório que o Observatório Português das Actividades Culturais (OPAC), coordenado pelo investigador do ISCTE-IUL José Soares Neves, publicou esta terça-feira sobre as relações laborais e as condições remuneratórias destes trabalhadores.

Sem surpresa, o retrato resultante deste inquérito realizado em 2019 – antes, pois, da pandemia de covid-19 –, a partir de uma amostra de 1727 profissionais independentes, vem completar e confirmar o quadro de precariedade, pluriactividade e instabilidade que já emergira dos primeiros resultados divulgados no início de Março, relativos aos perfis social e profissional dos trabalhadores do sector.

E se metade dos inquiridos diz não ultrapassar os 7.200 euros de rendimentos anuais, 18% destes profissionais não atingem sequer os 150 euros de rendimento mensal líquido, e 20% ficam-se pelo salário mínimo (que, em 2019, era de 600 euros). ​São valores muito baixos, que, para uma parte significativa dos profissionais independentes, colocam em risco a continuidade de actividade, “se não houver um complemento proveniente de outros sectores”, conclui o relatório.

O inquérito revela ainda que 61% destes profissionais têm como única fonte de rendimento o trabalho por conta própria no sector, ao passo que, para 11%, o trabalho independente representa entre 76% e 99% dos seus proveitos. Os direitos conexos correspondem, no máximo, a 25% do rendimento de 8% dos profissionais, tal como os direitos de autor (7,5%). De resto, e ainda que a maior parte dos inquiridos (65%) tenha nas actividades artísticas e culturais a sua fonte principal de rendimento – mesmo se com uma distribuição irregular no tempo, confirmando o padrão de sazonalidade e intermitência do trabalho deste sector –, muitos recorrem a outras actividades, com predominância para as áreas de serviços (9,4%), educação (7,8%) e restauração e turismo (7,2%), para complementar a remuneração.

Outra marca desta informalidade, que resulta no “consequente isolamento dos trabalhadores”, está no facto de “a esmagadora maioria dos inquiridos (84%)” apontar a negociação individual como modalidade mais comum, e só 8,6% estarem enquadrados por formas de contratação colectiva, que é mais frequente nas funções de mediação (15%), educação, produção e edição (14%).

Este quadro de precariedade – que a pandemia veio, entretanto, agravar – configura “uma característica estrutural que não se altera, seja considerando apenas os rendimentos provenientes do sector artístico e cultural, seja os rendimentos totais”, refere o Observatório.
Assimetrias de género e de idade

A maioria dos profissionais independentes do sector cultural e artístico trabalha para um número reduzido de entidades: 42% referem entre dois e cinco contratantes; 20% mencionam uma só entidade. E 28% dos inquiridos não têm, ou não reconhecem, a sua relação de trabalho como contrato, situação que indica “a enorme fragilidade de vínculos laborais no sector”, observa o OPAC.

O relatório destaca a elevada proporção dos inquiridos “que são profissionais independentes mas que efectivamente trabalham para uma única entidade (20%)”, embora sublinhe que estes poderão não corresponder ​“strictu sensu aos vulgarmente chamados ‘falsos recibos verdes’, porquanto estão incluídos casos individuais muito diversos (como trabalho a tempo parcial, com e sem contrato, ou prestação de trabalho em projectos temporários)”. Ainda assim, estes números, dizem os investigadores, indiciam “que são comuns as situações formalmente enquadradas como trabalho independente, mas que na prática [configuram] trabalho dependente”.

Outro dado do relatório mostra que, a partir dos 55 anos, há uma quebra acentuada na actividade; e que a diferença de géneros também se mostra relevante: enquanto os homens referem uma média de 7,5 projectos por ano, as mulheres ficam-se pelos 5,8.

Já por áreas disciplinares, os profissionais das artes performativas (que, no relatório anterior, já era enunciada como a principal área de trabalho, representando 54,4% da amostra) são os que denotam o menor número de entidades contratantes por trabalhador; em contrapartida, é no audiovisual que se observa a tendência para a dispersão por um maior número de contratantes. Aqui, os técnicos destacam-se das restantes categorias (criadores e produtores), provavelmente devido à frequência com que prestam trabalhos de curta duração. O OPAC constata que entre a área do audiovisual e as funções de suporte técnico manifestam “regimes de laboração com maior dispersão de tarefas ou empreitadas por comparação com as de artes visuais e performativas (excluindo a música) e as de funções artísticas ou educacionais”.

A sazonalidade e a descontinuidade temporal são outras evidências do inquérito, que mostra que quase metade dos inquiridos (47%) refere que o seu trabalho não tem um quadro temporal previsível. Quase um terço (30%) diz que ele se concentra num determinado período do ano, com a maior concentração no mês de Maio (71%) e a menor em Agosto (58%). “A irregularidade e as quebras mais ou menos acentuadas da actividade nos períodos de Verão e Inverno marcam este retrato da sazonalidade”, anotam os investigadores.

Depois do estudo sobre as relações laborais e perfis social e profissional, o presente relatório, disponível no site do OPAC, dá sequência ao Inquérito aos Profissionais Independentes das Artes e da Cultura, que é o primeiro de três módulos que constituem o Estudo do Sector Artístico e Cultural em Portugal, que decorre de um acordo de parceria institucional entre a DGArtes e o ISCTE, através do OPAC.

Notícia corrigida, rectificando o valor do salário mínimo em 2019, e também que este relatório diz ainda respeito ao primeiro módulo do Estudo do Sector Artístico e Cultural em Portugal.