Inês Chaíça, in Público on-line
Um quarto dos psicólogos tem sinais de burnout – mas 87% arranjaram estratégias para fazer frente à pandemia
Não é “um número animador”, mas está em linha com o que acontece noutras áreas profissionais. Quase 87% dos psicólogos disse utilizar estratégias para a promoção da sua saúde e qualidade de vida: estar com amigos e família, dormir bem e “manter uma atitude positiva no trabalho” foram as mais citadas.
Quase um quarto dos psicólogos portugueses mostra algum sinal de burnout e são as mulheres, com idades entre os 35 e os 44 anos, que viram o seu volume de trabalho aumentar com a pandemia que relatam mais estes sintomas. As conclusões constam de um estudo sobre a saúde mental destes profissionais, publicado esta quinta-feira pela Ordem dos Psicólogos.
O estudo contou com a resposta de 1759 participantes, na maioria mulheres (89%), com idades compreendidas entre os 24 e os 76 anos, da área da psicologia clínica, mas não só. As respostas ao inquérito online foram anónimas e revelam que mais de metade (57%) dos psicólogos ouvidos indicam que o volume de trabalho aumentou desde o início da pandemia.
O aumento da procura de cuidados de saúde mental, os casos mais graves que lhes chegavam, as longas horas de trabalho foram alguns dos factores negativos que a pandemia trouxe, de acordo com os participantes: “Com a pandemia, houve desrespeito pelos colaboradores em termos de horários e número de horas, com turnos de dez horas durante sete dias e sete dias seguintes de descanso, o que se transmitiu em exaustão física e mental”, refere um dos profissionais que respondeu ao inquérito. Outro refere que recorreu a “antidepressivos e ansiolíticos pela primeira vez”.
Ana Virgolino, autora do estudo ouvida pelo PÚBLICO, considera que ter um quarto dos psicólogos com sintomas de burnout (síndrome do esgotamento profissional) não é um “número animador”, mas afirma que está em linha com um estudo feito a nível nacional pelo Insa - Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, no qual também participou, sobre a saúde mental dos portugueses, em que 25% da população geral e 32% dos profissionais de saúde apresentavam sintomas de burnout. “Avaliámos profissionais de várias áreas e a percentagem era similar”, conclui a investigadora.
Mesmo que não tenham chegado ao burnout, a pandemia teve um impacto no bem-estar destes profissionais: 40% revelaram que o seu bem-estar piorou e pelo menos 21% estão numa situação de sofrimento mental. Também foram as mulheres e jovens (isto é, com menos de 35 anos de idade), “com uma situação financeira difícil e que aumentaram bastante o volume de trabalho em contexto de pandemia” que mostraram estar numa situação de maior risco, de acordo com o estudo.
A autora destaca que esta informação também “vai ao encontro a outros estudos do tempo de pandemia: as mulheres e as populações mais jovens são mais vulneráveis” aos seus efeitos negativos. No futuro, será importante que se faça “de forma regular” uma monitorização destes indicadores da saúde mental.
Entre os psicólogos ouvidos, há quem revele que “há muitos colegas que demonstram não estar bem para desempenhar as suas funções, mas só porque são psicólogos acham ou não se permitem reconhecer que precisam de ajuda”. Há também quem sugira a disponibilização de “psicólogos a custo reduzido para realizar psicoterapia a outros psicólogos”.
“As condições profissionais mantiveram-se e os pedidos de apoio aumentaram, com situações mais complexas. O cansaço prévio acumulou-se, o isolamento manteve-se e a disponibilidade das chefias reduziu-se, o que desencadeou esta sobrecarga sem resposta adequada das instituições. Temos de ser nós, como indivíduos, e não como profissionais, a tentar reequilibrarmo-nos”, revela um dos psicólogos citados no estudo.
Dormir bem e estar com amigos: os autocuidados dos psicólogos
Quase 87% dos psicólogos disse utilizar estratégias para a promoção da sua saúde e qualidade de vida. O que fazem os psicólogos para cuidar da sua saúde mental? Passar tempo com amigos e família, dormir bem, apesar “do aumento do volume de trabalho”, e manter uma atitude positiva no trabalho foram as respostas mais citadas. A autora do estudo realça este último ponto porque, “apesar da insatisfação, a verdade é que ‘dá o clique’ e pensamos que isto está a acontecer com muita gente, não é só nesta profissão”.
Menos citadas foram estratégias como o envolvimento em organizações profissionais, actividades religiosas e voluntariado.
Nem tudo são relatos negativos. Uma psicóloga, que diz trabalhar “em part-time em gestão de recursos humanos”, afirmou que durante a pandemia teve tempo para conciliar todos os aspectos da sua vida — e não são poucos. “Sou católica praticante, sei tocar vários instrumentos, caminho e pratico ginástica em grupo, pertenço a coros e grupos de dança. Faço voluntariado em diversas áreas. Procuro estar atenta aos sinais. Não culpabilizo pessoas ou organizações por algum mal que me aconteça, faço o que está ao meu alcance para viver com bem-estar, com sentido de responsabilidade”, refere.
Outra psicóloga afirma que, ainda que “há uns meses pudesse preencher todos os requisitos de diagnóstico de burnout”, encontrou formas de autocuidado no “apoio familiar, amigos, formação contínua” na própria “capacidade de resiliência”.
A vida online
Já antes da pandemia se falava na telepsicologia – uma prática que nunca chegou a ser popular em Portugal, a avaliar pelos 52% de inquiridos que nunca tinham realizado intervenções psicológicas à distância antes –, mas a covid-19 tornou-a urgente. “O aumento do recurso da intervenção psicológica à distância, com videoconferência ou telefone, e não apenas de intervenção clínica, porque abrangemos as várias especialidades, foi ao encontro do que estávamos à espera”, avalia Ana Virgolino.
O consultório passou a ser online e as formações aconteceram à distância mas nem todos se mostraram satisfeitos com a solução. Apesar de quase metade dos inquiridos ter considerado que foi fácil ou muito fácil fazer a transição para o online, mais de metade (68%) continuam a preferir a intervenção presencial. “Nada substitui o contacto presencial seja qual for o método de intervenção”, responde um psicólogo. “Acho que a necessidade que se tem verificado durante a pandemia tem estado a servir para implementação deste método online como alternativo no futuro, quando deverá ser apenas um recurso ocasional.”
Contudo, apesar de não ser o método preferido, 58% não descartam voltar a usar este tipo de soluções caso se revelem necessárias. Neste capítulo, um psicólogo diz que sente que a adaptação dependeu mais do cliente e que, “considerando que a alternativa actualmente é fazer consulta presencial com máscara”, prefere “fazer online” porque sente que “a máscara prejudica mais do que a distância”.