9.2.22

Acesso a crédito à habitação fica mais difícil com alteração ao prazo dos contratos

Rosa Soares, in Público on-line

Novos empréstimos a 40 anos deverão ser concedidos apenas a clientes com idade até 30 anos, o que dá menos flexibilidade num cenário de subida de taxas de juro. Deco dividida em relação a novas restrições.

A recomendação aos bancos para que adoptassem prazos mais curtos nos novos contratos de crédito à habitação já vem de 2018, mas não foi cumprida na dimensão pretendida pelo supervisor. Agora, o Banco de Portugal (BdP) fixou novos limites, como a de empréstimos a 40 anos serem concedidos apenas a consumidores com idade até 30 anos, de forma a tornar a concessão deste crédito mais segura, mas também para evitar distorções de concorrência entre instituições, nomeadamente a que é feita por entidades com estratégias mais agressivas de conquista de quota de mercado.

Depois da recomendação feita em 2018 para que a duração média dos novos contratos convergissem para 30 anos no final de 2022, o regulador definiu, recentemente, prazos mais rígidos para atingir essa meta. Assim, a partir de 1 de Abril, “a maturidade máxima deve ser de 40 anos, para mutuários com idade inferior ou igual a 30 anos; de 37 anos, para mutuários com idade superior a 30 anos e inferior ou igual a 35 anos; e de 35 anos, para mutuários com idade superior a 35 anos”.

De referir que, segundo o Relatório de Estabilidade Financeira de Dezembro de 2021, “a maturidade média dos novos empréstimos à habitação manteve-se relativamente estável em cerca de 33 anos, após uma redução de 33,5 anos, em Julho de 2018, para 32,6 anos, em Dezembro de 2019, mas logo seguida de um novo aumento para 33 anos, em Setembro de 2021”, o que levou o supervisor a agir.

O BdP, que foi um dos 23 países da União Europeia (UE) a avançar com uma medida macroprudencial para o crédito (à habitação e ao consumo), mas que optou pela forma de recomendação, ao contrário da maioria das autoridades dos restantes Estados-membros, que avançaram para a sua obrigatoriedade, garante que, “de forma geral, os limites máximos definidos para a maturidade têm vindo a ser respeitados”, e que “a eficácia da recomendação não tem sido posta em causa por esta não ser de cumprimento obrigatório”.

Ao PÚBLICO, o regulador destaca o facto de “a recomendação estar sujeita ao princípio de cumprimento ou explicação (comply or explain, em língua inglesa)”, facto que lhe permite “avaliar de forma regular a adequação das justificações apresentadas pelas instituições quando se desviam do estabelecido” na medida. Garante ainda que “se a justificação apresentada pelas instituições não for considerada adequada, o Banco de Portugal interage com a instituição no sentido de regularizar a situação”.

Sem concretizar, o supervisor refere ainda que “monitoriza a implementação da recomendação com elevada frequência, e, caso seja necessário, poderá adoptar medidas adicionais para garantir o seu cumprimento”.

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Portugal está entre os países que mais recomendações introduziram, abrangendo três vectores, e entre os que apresentam limites mais elevados ou menos restritivos. O primeiro foi a fixação do montante do empréstimo/valor da garantia (loan-to-value, ou LTV, na sigla em inglês), que é no máximo de 90% para compra de habitação própria e permanente, de 100% para imóveis detidos pelas instituições bancárias, e de 80% para outros empréstimos, como segundas habitações.

O segundo a taxa de esforço ou o peso dos créditos no orçamento familiar (debt-service-to-income, ou DSTI), que serve para medir o risco de incumprimento, que é 50%, podendo ainda atingir os 60% ou mais numa percentagem reduzida de empréstimos, e que é uma das mais elevadas no conjunto dos países. Mas, aqui, o BdP inclui no cálculo da DSTI os encargos com todos os empréstimos do mutuário, e não apenas o do crédito à habitação.

Relativamente à DSTI, o BdP introduziu ainda outra particularidade, que se bem explicada pelas instituições bancárias e tida em devida conta pelos particulares pode ser muito útil num cenário de subida das taxas de juro. Trata-se da simulação do encargo com o empréstimo no caso de subida, em três pontos percentuais, da taxa contratada. E ainda de, no cálculo da taxa de esforço e para maturidades acima da idade de reforma, ser considera ainda uma redução de rendimento com a passagem do mutuário a essa situação, uma vez que, habitualmente, se verifica uma queda do rendimento.

O terceiro vector é precisamente a duração dos contratos, agora de 40 até mutuários com 35 anos, a convergir para a média dos 30, mas bem acima, por exemplo, dos 25 anos definidos em França.
O reverso da medalha

A medida macroprudencial visa, essencialmente, regular o mercado de crédito na perspectiva das instituições bancárias, onde a concorrência tem sido desenfreada nos últimos anos, com a adopção de práticas que contrariam as regras da concorrência e de sustentabilidade. A concorrência na concessão de crédito faz-se de várias formas, nomeadamente através de spreads (ou margem comercial) mais baixos (actualmente em mínimos de 1% em várias instituições e até abaixo desse patamar em pelo menos uma delas), mas também pela fixação de prazos mais longos, entre outros.

Genericamente, os empréstimos à habitação por prazos mais longos permitem prestações mensais mais baixas (embora o custo total do crédito seja mais elevado), e taxas de esforço (ou DSTI) também mais baixas.

Mas prazos mais alargados também têm riscos mais elevados para os consumidores, como reconhece Natália Nunes, directora do Gabinete de Apoio Financeiro da Deco, nomeadamente por permitiram “a contratação de crédito por parte de famílias com orçamentos mais apertados, com maior risco de entrarem em incumprimento, e de inviabilizarem futuras reestruturações de crédito, nos casos em que se verifique incapacidade de pagamento, já que uma das medidas nesse tipo de processos passa precisamente pela extensão da maturidade dos contratos”.

Assim, a posição associação de defesa do consumidor face às novas medidas divide-se. Por um lado, considera que “é relevante a preocupação com a limitação da maturidade dos empréstimos nos anos em que o mutuário já esteja em idade de reforma (...) considerando um horizonte em que a idade máxima do mutuário tenderá para os 70 anos. Mas, por outro, “manifesta a sua preocupação com o impacto destas limitações de maturidade no valor das prestações dos empréstimos”.

Destaca ainda a Deco que o impacto da redução das maturidades no valor das prestações acontece num contexto em que “os preços do imobiliário evidenciam a manutenção ou mesmo um aumento em algumas áreas dos grandes centros urbanos, mas também de subida da inflação, que poderá desencadear uma subida de taxas de juro, e ainda de agravamento das comissões bancárias”.

A associação alerta ainda para o facto de a conjugação daqueles factores poder contribuir para “a potencial exclusão da classe média em adquirir habitação nas grandes cidades, sendo forçada a sair para as áreas limítrofes, uma vez que os valores das prestações calculadas terão de ser, também elas, vistas à luz das limitações aos rácios de taxas de esforço”. Tendo em conta este risco, pede ao BdP “um acompanhamento da implementação da actual recomendação e do mercado, de modo a proceder a adaptações destes entendimentos sempre que tal se revele necessário”.

A medida macroprudencial também incluiu o crédito ao consumo, através da recomendação da maturidade de sete anos nos novos contratos de crédito pessoal, de 10 anos nos contratos de crédito pessoal com as finalidades educação, saúde e energias renováveis, desde que devidamente comprovadas, e de 10 anos nos novos contratos de crédito automóvel. O BdP adianta que esta recomendação está a ser cumprida.