23.2.22

Quase 11% de crianças em privação material e social, segundo o INE

Joana Gorjão Henriques, in Público on-line

Instituto Nacional de Estatística acaba de publicar resultados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento das Famílias, nomeadamente dos módulos Saúde e Privação Material das Crianças e Condições de Vida e Situação das Crianças que Vivem em Famílias Separadas ou Reconstituídas. Mais de 15% das crianças não podem passar férias fora de casa uma semana por ano.


Em 2021, dos 1,5 milhões de crianças com menos de 16 anos em Portugal, quase 11% pertenciam a agregados familiares em privação material e social, mostram dados do Instituto Nacional de Estatística, que acaba de publicar pela primeira vez os destaques Saúde e Privação Material das Crianças e Condições de Vida e Situação das Crianças que Vivem em Famílias Separadas ou Reconstituídas.

Esta percentagem – que é exactamente de 10,7% – é ligeiramente inferior à da população em geral, situada nos 13,5%. Também o indicador de privação material e social severa mostra que esta afectou ligeiramente menos as crianças com menos de 16 anos (5,1%) do que a população em geral (6%).




Estas dificuldades traduzem-se em privação a vários níveis, sendo que as taxas para as famílias com crianças foram superiores às da população em geral num dos itens de privação material e social sobre a habitação: no atraso em algum dos pagamentos regulares relativos a rendas, prestações de crédito ou despesas correntes da residência principal, ou outras despesas não-relacionadas com a residência principal, que nas famílias com crianças foi de 9,3%, enquanto para o resto foi de 6,9%.

As consequências das privações foram, assim, de diversa natureza: por exemplo, 15,5% das crianças não conseguiam passar férias fora de casa pelo menos uma semana por ano; 9,7% das crianças não conseguiam participar regularmente numa actividade extracurricular ou de lazer; 6,6% não podiam participar em viagens e actividades escolares não-gratuitas; 4,3% das crianças não podiam comprar roupa nova; 1,6% não conseguiam celebrar ocasiões especiais; e 1,5% não podia convidar amigos de vez em quando, para brincarem e comerem juntos.

Para a privação material e social influenciam factores como a composição familiar e a escolaridade dos pais. As crianças que vivem em famílias com dois adultos e duas crianças representaram 13,4% das que estavam em privação material e social, enquanto as que vivam em famílias monoparentais onde há pelo menos uma criança foram quase 20% – percentagem que baixou para os 12,4% quando o agregado tinha dois adultos. Por outro lado, foi nos agregados com mais do que dois adultos que se verificou a maior taxa de crianças em privação material: 33,2%.





Como em outras questões, também nesta o nível de escolaridade dos pais foi uma das características que mais afectaram as crianças em privação material e social, ou seja, quanto mais escolarizados os pais, menor a probabilidade de o filho sofrer privações: a percentagem de crianças em privação que vivia num agregado em que pelo menos um dos pais tinha o ensino superior foi de 8,4%, enquanto essa percentagem era de 54,8% quando ambos tinham o ensino básico ou nenhum e de 32,8% quando um deles tinha o secundário ou pós-secundário.

Por outro lado, ao nível da saúde, os resultados mostram que 90,5% das crianças com menos de 16 anos apresentavam um estado de saúde muito bom ou bom, o que é bastante mais alto em relação à média nos cinco anos anteriores para a população dos 16 aos 64 anos (61,3%). Dos que não tinham um resultado positivo, 8,1% referiam um estado de saúde razoável. O INE revela ainda que a região de residência foi a característica que mais distinguiu as crianças em relação à avaliação do estado de saúde, com os do continente a assinalarem 1,8 pontos percentuais acima da taxa registada na Madeira e 6,3 acima nos Açores. Ainda em relação à satisfação das necessidades de saúde, 6,5% das crianças não tinham dinheiro para consultas/tratamentos dentários nos 12 meses anteriores à entrevista, algo que no caso de outras consultas e tratamentos médicos teve uma expressão residual – só 1,5% das crianças não foi ao médico por falta de dinheiro.
Guarda partilhada em 18,7% dos casos

Os dados do INE mostram ainda que apenas 1,8% da população adulta em idade activa tinha filhos menores fora do seu agregado familiar, estava na faixa dos 40 anos, e que, dentro desse perfil, apenas 18,7% tinham a guarda partilhada, ou seja, a guarda das crianças que viviam fora do agregado estava atribuída sobretudo ao progenitor com quem viviam (74,1%). A maioria dos filhos menores fora do agregado tinha entre dez e 13 anos (29,0%) e entre 14 e 17 anos (31,2%). ​​Neste perfil de quem tinha filhos fora do agregado, 93,8% eram homens.
 



Já em relação às distâncias entre as residências de pais e filhos fora do agregado, verificou-se que mais de 70% dos progenitores moravam perto dos filhos: a dez minutos ou menos de distância para 30,1% dos progenitores, e de 11 a 30 minutos para 40,3%. Cerca de 74,5% tinham um quarto individual ou partilhado para os filhos fora do agregado dormirem: as crianças ali passaram por mês, em média, quatro noites (20,9%), entre quatro e sete noites (19,3%) e entre oito e 15 noites (25,1%).

Por outro lado, segundo responderam ao INE, no ano anterior 41,6% partilharam o seu tempo com os filhos fora do agregado todas as semanas em refeições, brincadeiras, trabalhos de casa, passeios, conversas, deslocações casa-escola; 15,9% referiram que o fizeram diariamente. Cerca de 42,3% referiram ter contactado os filhos fora do agregado todos os dias através do telefone, videochamada ou redes sociais nos 12 meses anteriores; 32,1% fizeram-no todas as semanas.

Este destaque foi obtido a partir do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento das Famílias. Segundo a nota metodológica, em 2021 o inquérito dirigiu-se a 16.478 famílias, das quais 10.973 com resposta completa, com recolha de dados sobre 26.822 pessoas; 23.730 com 16 e mais anos. Os dados do módulo Saúde e Privação Material das Crianças respeitam às pessoas com menos de 16 anos no final de 2020, residentes em 3092 agregados, e foram obtidos através de entrevistas aos representantes dos agregados domésticos privados. Os dados do módulo Condições de Vida e Situação das Crianças que Vivem em Famílias Separadas ou Reconstituídas dizem respeito às pessoas com 16 ou mais anos no final de 2020.​