22.2.22

Portugal entre os países com salário mínimo inadequado ao custo de vida, diz Cáritas Europa

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Salário mínimo de Portugal fica acima do meio da tabela da UE, mas não é apropriado ao custo de vida. País faz parte do grupo com mais de 10% de trabalhadores pobres.

A Cáritas Europa reclamou, no seu relatório anual, divulgado esta segunda-feira, salários mínimos adequados à realidade de cada país. Portugal está entre os que não praticavam valores apropriados e acabam por ter 10% de trabalhadores pobres.

“A economia tem de servir as pessoas, não o contrário”, declarou Michael Landau, presidente da Cáritas Europa, no arranque da apresentação do CARES – Relatório Europeu sobre a Pobreza 2021. “Criar emprego, por si só, não chega.”

A pandemia tornou ainda mais árdua a vida de quem vive do seu trabalho. Landou pôs o foco nos “desempregados de longa duração, os trabalhadores informais e mais velhos”, mas também nos “jovens - que precisam de mais educação e formação”.

No relatório global, Portugal merece especial reparo pelo modo como trata os cuidadores, que se revelaram indispensáveis durante a pandemia, sem que isso se reflicta nas suas condições de trabalho e na sua remuneração. A maior parte aufere salários muito baixos. Muitos cumprem segundas jornadas de trabalho.

Num relatório específico sobre Portugal, conclui-se que o mercado de trabalho não é suficientemente inclusivo, “apesar das mudanças positivas dos últimos anos”. “O valor do salário mínimo não é adequado, levando a uma elevada taxa de trabalhadores pobres, já que o custo de vida aumenta mais depressa do que os salários.” Flagrante é o preço da habitação.

Nem todos os Estados-membros têm um salário mínimo fixado por lei – Dinamarca, Itália, Chipre, Áustria, Finlândia e Suécia têm salários mínimos definidos por negociação colectiva. Onde existe, os valores oscilam entre os 332 euros da Bulgária e os 2.202 euros do Luxemburgo, o que será um indicador da disparidade do custo de vida dentro do espaço comunitário.

Nessa estatística, que divide o salário anual por 12 e não por 14, Portugal fica acima do meio da tabela, com 775,83 euros. À frente, além do Luxemburgo, estão Irlanda (1723,8 euros), Países Baixos (1701), Bélgica (1625,72), Alemanha (1585), França (1554,58), Espanha (1108,33), Eslovénia (1024,24) e Malta (784,68).

O relatório parte de um questionário preenchido pelas organizações nacionais. Diversas Cáritas europeias declararam que “o nível do salário mínimo do seu país é insuficiente”. E que uma directiva europeia poderá representar “um passo significativo na redução de trabalhadores pobres, promovendo a convergência social ascendente e, a longo prazo, um mercado de trabalho mais inclusivo”.

Recorde-se que a Comissão Europeia propôs, já em Outubro de 2020, uma directiva sobre salários mínimos adequados na União Europeia. Esta não obriga os Estados-Membros a introduzir salários mínimos legais, nem estabelece um nível de salário mínimo comum. Estabelece, todavia, um quadro de normas mínimas.

Em 2016, 9,8% das pessoas em situação de pobreza trabalhavam. Desde então, acompanhando o crescimento económico, o número caiu – 9,5% em 2017, 9,3% em 2018, 9% em 2019. Entre os países que já publicaram dados de 2020, há seis com menos de 5% de trabalhadores pobres (Finlândia 2,9%; República Checa 3,5%; Eslováquia 4,4%; Irlanda 4,4%; Eslovénia 4,5% e Bélgica 4,8%) e sete com mais de 10% (Roménia 15,4%; Espanha 12,8%; Luxemburgo 12%; Itália 11,8%; Portugal 10,7%; Estónia 10,3%; e Grécia 10,1%%).
Migrantes e ciganos discriminados

Os jovens têm três vezes mais probabilidade que os trabalhadores mais velhos de ganhar o salário mínimo. As mulheres, por sua vez, têm quase duas vezes mais do que os homens. O trabalho temporário, a meio tempo ou atípico também aumenta essa hipótese. Não por acaso mulheres, jovens, migrantes, pessoas com deficiência, pessoas de minorias étnicas são identificados como grupos mais vulneráveis à pobreza.

“Os trabalhadores migrantes estão concentrados em grupos profissionais menos qualificados e mais precários, estão mais expostos à instabilidade na relação laboral, recebem salários mais baixos e têm uma maior incidência de acidentes de trabalho”, lê-se no documento específico sobre Portugal. “A maioria dos migrantes desempenha funções abaixo do nível das suas qualificações.” As dificuldades de inclusão da população cigana no mercado de trabalho não foram esquecidas. “Enfrentam discriminação na procura de emprego. A maioria dos empregadores recusa-se a contratar pessoas ciganas. Alguns dos que conseguem arranjar emprego são despedidos quando o empregador descobre a sua etnia.”

Os jovens, sobretudo os oriundos de meios desfavorecidos e aqueles que caem na categoria nem-nem (que não estão a estudar, nem a fazer formação, nem a trabalhar), têm particular dificuldade pela baixa escolaridade e a falta de experiência. Mas os altamente qualificados também têm dificuldade em encontrar emprego digno.

Embora reconheça passos na direcção certa, a presidente da Cáritas Portugal, Rita Valadas, fala em “políticas nem-nem”. Nem tiram os jovens da precariedade nem tiram os trabalhadores da pobreza. “Que o emprego é indispensável ao combate à pobreza não tenho dúvidas”, diz. “Os caminhos não são evidentes, mas isto também depende do nível do salário mínimo e do nível de vida.”