18.2.22

Desempregados excluídos pela Segurança Social no apoio criado durante a pandemia

Raquel Martins, in Público on-line

A Segurança Social está a excluir dezenas de desempregados do prolongamento do Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores com o argumento de que estas pessoas já esgotaram o número máximo de meses de atribuição da prestação. BE desafia Governo a corrigir situação.

Dezenas de desempregados têm visto a Segurança Social rejeitar os pedidos para beneficiarem do prolongamento do Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores (AERT) por mais dois meses, com a justificação de que atingiram o número máximo de meses de atribuição.

O prolongamento do AERT até ao final de Fevereiro foi aprovado pelo Governo para “garantir apoio àqueles que se viram mais afectados” pelas restrições para conter a pandemia. Mas quando requereram o apoio relativo ao mês de Janeiro, dezenas de desempregados viram o seu pedido rejeitado, ficando sem qualquer rendimento.


Na prática, a Segurança Social apenas está a atribuir o prolongamento do apoio a quem não esgotou o período de atribuição (que é de seis ou de 12 meses, consoante os casos). Todos os outros casos têm visto o pedido rejeitado.

Joana Bastos, 35 anos, é uma das pessoas que viram o seu pedido indeferido. Desempregada desde 2019, beneficiou do prolongamento do subsídio de desemprego em 2020 e, em 2021, passou a estar abrangida pelo AERT. No final do ano passado, questionou os serviços de Segurança Social sobre se seria abrangida pelo prolongamento deste apoio nos dois primeiros meses de 2022 e a resposta foi que devia candidatar-se caso se mantivesse a sua situação familiar e financeira. Assim fez. No início de Fevereiro apresentou o requerimento e uns dias depois recebeu a informação de que o pedido foi recusado porque “atingiu o número máximo de meses de atribuição do AERT”.

“O Governo disse que ia prorrogar o AERT por mais dois meses, não disse que só iria prolongar para algumas pessoas”, lamenta esta mãe de duas crianças com três e 12 anos e portadora de doença crónica, acrescentando que a forma como os serviços estão a interpretar a lei “não faz sentido”. “Estava a contar com o apoio para pagar a renda, a água e a luz. Não consigo encontrar trabalho”, relata ao PÚBLICO, lamentando não ter pedido o Rendimento Social de Inserção.

Outra das pessoas que também viu o seu pedido recusado e que reclamou recebeu uma resposta surpreendente da Segurança Social. A não atribuição do apoio é justificada com o facto de o Orçamento do Estado (OE) para 2022 não ter sido aprovado. Contudo, a norma legal que prolonga o AERT está prevista no Decreto-lei 104/2021, publicado a 27 de Novembro.

Esta não é a primeira vez que Joana Bastos se vê confrontada com dificuldades no acesso ao AERT. No início do ano passado, fez parte dos milhares de pessoas que terminaram o subsídio social de desemprego no final de 2020 e que se aperceberam de que não podiam aceder ao AERT, uma situação que o Governo acabou por corrigir.

O Bloco de Esquerda (BE) tem acompanhado estes desempregados e já nesta quinta-feira ao final do dia entregou uma pergunta ao Governo, desafiando-o a corrigir uma situação que considera “injusta”. Também nesta sexta-feira, a coordenadora do BE, Catarina Martins reúne-se com uma centena de pessoas que assegura estar nesta situação.

“Estes trabalhadores tinham a legítima expectativa de deferimento destes pedidos, tendo por base o anúncio feito pelo Governo e a perspectiva de que se tratava de uma verdadeira extensão do apoio até Fevereiro”, lê-se na pergunta assinada pelo deputado José Soeiro.

“Apesar de o apoio ter sido prorrogado, vigora, aparentemente, a interpretação de que o tempo máximo de atribuição (seis ou 12 meses, consoante as situações) se mantém”, refere, alertando que assim “apenas tem direito ao apoio referente aos meses de Janeiro e Fevereiro quem não esgotou o período máximo de atribuição inicialmente previsto”.

“Significa isto que o Governo não está efectivamente a prolongar este apoio por mais dois meses, mas apenas a ampliar o período no qual este pode apoio pode ser solicitado”, conclui o deputado.

À medida que os apoios extraordinários criados no quadro da pandemia vão sendo desactivados, o BE defende a necessidade de fazer uma “reformulação estrutural” dos apoios sociais, por entender que há centenas de pessoas que ficam desprotegidas.

O PÚBLICO questionou o Ministério do Trabalho e da Segurança Social sobre o número de pessoas que viram o seu pedido indeferido por terem esgotado o período de atribuição do AERT e sobre a interpretação que está a ser feita da norma legal, mas não recebeu resposta.

O AERT foi criado para dar resposta, durante o ano de 2021, aos trabalhadores independentes e trabalhadores do serviço doméstico com quebras no rendimento superiores a 40%, aos trabalhadores por conta de outrem que ficaram em situação de desemprego ou cuja prestação tenha terminado, aos trabalhadores sem descontos regulares à Segurança Social ou sem acesso a outros instrumentos de apoio social, aos gerentes das micro e pequenas empresas em paragem de actividade e aos membros dos órgãos estatutários de fundações, associações ou cooperativas (se as actividades estiverem sujeitas ao dever de encerramento).