4.2.22

Mortes por cancro subiram 20% no mundo numa década. Em Portugal foi 10%

Ana Maia, in Público on-line

Em 2019, no Mundo, registaram-se 23,6 milhões de novos casos e dez milhões de mortes, o que representa um acréscimo de 26,3% e 20,9%, respectivamente, em relação a 2010. No mesmo período Portugal passou de 29 mil mortes para 32 mil. Cancros do pulmão, cólon, estômago e mama estão entre os que geram maior carga de doença.

Numa década, o número de novos casos de cancro e de mortes aumentou significativamente no mundo. Em 2019 registaram-se 23,6 milhões de novos casos e dez milhões de mortes, o que representa um acréscimo de 26,3% e 20,9%, respectivamente, em relação a 2010. Em Portugal, o número de novos casos e de mortes também cresceu: mais 5,4% no primeiro caso e mais 10,3% no segundo. Em termos mundiais, em 2019, o cancro representou 250 milhões de anos perdidos de vida saudável, refere um estudo internacional, que alerta para desigualdades no acesso ao diagnóstico e aos cuidados de saúde a nível mundial.

Os 250 milhões de anos perdidos de vida saudável representam um acréscimo de 16% em relação a 2010, tornando o cancro a segunda doença com maior peso neste indicador e na mortalidade a nível mundial, apenas superado pelas doenças cardiovasculares em 2019, refere o artigo Cancer Incidence, Mortality, Years of Life Lost, Years Lived with Disability, and Disability-Adjusted Life Years for 29 Cancer Groups from 2010 to 2019: A Systematic Analysis of Cancer Burden Globally, Nationally, and by Socio-Demographic Index for the Global Burden of Disease Study 2019, publicado recentemente na revista médica JAMA.

O trabalho tem por base o Global Burden of Disease, um estudo que dá uma visão do impacto e do peso do cancro comparado com mais de 300 doenças e no qual a NOVA Medical School participa. “Este aumento mundial do número de casos e de mortes é muito significativo. Dez anos é um período curto. Estes resultados são uma grande chamada de atenção para a necessidade de aumentar a prevenção em todos os tipos de cancro”, diz ao PÚBLICO João Conde, investigador da Nova Medical School da Universidade Nova de Lisboa (Cancer NanoMedicine Lab), reforçando que estes retratos permitem aos governos tomar medidas que ajudem a travar o peso da doença, como o reforço de rastreios.

Entre 2010 e 2019, a carga da doença oncológica em Portugal, que faz parte do grupo com o índice sociodemográfico médio-alto, também subiu. De acordo com os dados do Global Burden of Disease, em 2010 o país registou 29 mil mortes e em 2019 foram 32 mil. Já quanto a novos casos, foram 611 mil em 2010 e 644 mil em 2019. “A nível nacional, o cancro do cólon foi o que causou mais mortes em 2019 (5200), o segundo foi o do pulmão (4700), o terceiro o do estômago (2950) e o quarto o da mama (2100)”, enumera o investigador. Em 2010, o cancro do cólon foi responsável por 4600 mortes, o do pulmão por 4500, o do estômago por 3000 e o da mama por 2050.

O mais importante é realmente criar ou fortalecer os programas de prevenção, bem como facilitar o acesso a novas terapias, mais eficazes e dirigidas que as convencionais João Conde, investigador da Nova Medical School

Questionado sobre esta evolução, João Conde diz que “há muito que ainda não se consegue fazer”, mas há um outro tanto que poderia ser melhorado. “Não temos um sistema de detecção precoce praticamente para cancro nenhum, tirando o da mama e da próstata”, diz, salientando a melhoria “nos últimos anos” que se registou na detecção do cancro do cólon. “O mais importante é realmente criar ou fortalecer os programas de prevenção, bem como facilitar o acesso a novas terapias, mais eficazes e dirigidas que as convencionais”, sugere. Para João Conde, seria importante replicar noutras doenças o exemplo das reuniões no Infarmed entre cientistas e políticos para que se pudesse fazer uma avaliação e estabelecer estratégias para melhorar a qualidade da resposta aos doentes.

Condições sociodemográficas fazem diferença

De volta ao olhar global, João Conde destaca a importância da introdução do Índex Sociodemográfico (SDI, sigla em inglês) nesta análise, ao repartir 204 países e territórios por cinco grupos de acordo com o seu desenvolvimento social e económico. E existem diferenças que ficam visíveis nesta avaliação. Foi nos grupos do SDI baixo, médio-baixo e médio que a percentagem de casos e mortes mais aumentou ao longo da década avaliada, embora no grupo sociodemográfico mais baixo o cancro representasse em 2019 a quinta causa de morte (nos restantes foi a segunda).

No que diz respeito aos anos perdidos de vida saudável, também existem diferenças. Se nos países mais ricos o peso do cancro supera até o das doenças cardiovasculares, nos mais pobres ocupa o 10.º lugar. Este indicador é calculado através do número de anos vividos com incapacidade e do número de anos perdidos (mortes prematuras). Mais uma vez, existem diferenças de acordo com as condições sociodemográficas. Nos países mais ricos há um peso maior dos anos vividos com incapacidade – o que se traduz em melhor diagnóstico e acesso a cuidados e tratamentos –, enquanto nos mais pobres é a morte prematura que mais pesa.

“Nos países com índice mais baixo existe falta de acesso a cuidados de saúde primários, a exames, a tratamentos. O facto de o cancro aparecer em 10.º neste grupo no que diz respeito aos anos perdidos de vida saudável tem a ver com a falta de diagnóstico. Este índice é muito importante para alertar para a necessidade de os países mais ricos apoiarem os mais pobres”, refere o investigador, salientando “as discrepâncias que a pandemia deixou à vista”.

Em termos globais, os cancros que mais pesaram em 2019 no número de anos perdidos de vida saudável foram o do pulmão (18,3%), o do cólon e recto (9,7%), o do estômago (8,9%), o da mama (8,2%) e o do fígado (5%). O estudo mostrou que, na última década, a carga dos cancros do cólon e do fígado aumentou, ocupando neste ranking os lugares que em 2010 eram do cancro do estômago e da leucemia.

Olhar para os adolescentes e jovens adultos

O grupo publicou um outro estudo recentemente, este na revista The Lancet Oncology, sobre o peso do cancro entre os adolescentes e jovens adultos – uma faixa etária entre os 15 e os 39 anos pouco avaliada. Esse foi um dos motivos pelo qual o consórcio decidiu avançar com este trabalho, que estimou em termos mundiais uma incidência de 1,2 milhões de casos de cancro nesta faixa etária e 396 mil mortes. A carga da doença em anos perdidos de vida saudável foi de 23,5 milhões. “Quando comparado com outras doenças em adolescentes e jovens adultos, o cancro foi a quarta causa de morte”, refere o artigo The global burden of adolescent and young adult cancer in 2019: An analysis of the Global Burden of Disease Study 2019.

É nos países com menores condições socioeconómicas que a carga da doença e a mortalidade é maior. A diferença é exposta também pelo peso que determinados tipos de cancros assumem. No cancro do colo do útero, a carga da doença aumenta à medida que as condições sociodemográficas diminuem, ao passo que os tumores do sistema nervoso central e cerebrais têm maior carga nos países mais desenvolvidos quando comparados com os outros.

“O grande objectivo deste estudo é criar esta consciência em todos os países”, afirma João Conde, enfatizando o “impacto que o acesso a cuidados de saúde e a exames têm num diagnóstico mais atempado” e no resultado do tratamento da doença. Outra das chamadas de atenção do artigo vai para a necessidade, em termos mundiais, de existirem estudos sobre os cancros mais frequentes nesta faixa etária.

Em Portugal, registaram-se 323 mortes e 96 mil casos de cancro entre os 15 e os 39 anos em 2019. Embora o estudo não faça esta comparação, o investigador refere que, em 2010, o país contabilizou 466 mortos e 113 mil casos na mesma faixa etária, o que mostra uma melhoria. “Pode ter que ver com a maior sensibilização e intercomunicação entre médicos pediatras e médicos dos adultos. Isto é uma chamada de atenção para a importância de melhorar e supervisionar os tratamentos e a sobrevida de pacientes jovens e é um desafio, visto que os seus cuidados primários ficam entre o de pacientes pediátricos e outros pacientes adultos. Nisso também pode estar a diferença entre os sistemas de saúde”, refere João Conde. Este é outro dos alertas que o estudo deixa aos vários países.