Por João Ramos de Almeida, in Público on-line
As medidas foram aprovadas pelo Governo Sócrates para aumentar a eficiência dos gastos sociais. Mas segundo um artigo de Carlos Farinha Rodrigues, os seus efeitos tendem a aumentar as desigualdades.
A alteração das regras para a atribuição de apoios sociais reduziu o número de pessoas com direito ao rendimento social de inserção (RSI) e o valor dos apoios públicos. Mas, segundo o economista Carlos Farinha Rodrigues, que se tem dedicado à investigação sobre as desigualdades em Portugal, a introdução de maior rigor nos apoios redundou num aumento da pobreza.
O corte nos apoios sociais começou em meados de 2010 - precisamente a meio da crise económica - e deverá manter-se para o futuro. É que essa "condição de recursos" está no memorando de entendimento com a troika e até no programa do actual Governo.
As conclusões estão num artigo recente de Carlos Farinha Rodrigues - Rendimento Mínimo em Portugal: Mudando as Regras em tempo de Crise. A sua ideia foi medir o impacto da reforma levada a cabo ainda na fase final do Governo socialista (DL 70/2010 de 16 de Junho).
Na altura, os responsáveis governamentais - como a ministra do Trabalho e o seu secretário de Estado da Segurança Social, os actuais deputados Helena André e Pedro Marques - alegaram tratar-se de uma medida que visava uma maior eficiência e eficácia dos gastos sociais. Não era um "corte cego", mas antes uma afectação dos apoios sociais a quem mais necessitava. E como afirmava o então secretário de Estado - em resposta aos ataques da direita parlamentar - era uma prova do "esforço de rigor" do Governo.
A reforma alterou diversos aspectos. Aumentou as categorias de rendimento consideradas na avaliação dos recursos das famílias e alterou o conceito de família usado na avaliação, o que, para Carlos Farinha Rodrigues, foi positivo. Só que alterou-se as ponderações da capitação de rendimento, em linha com as da OCDE. Se antes era atribuído o valor 1 aos dois primeiros adultos do agregado, esse valor passou a ser atribuído apenas ao requerente do apoio e cada adulto subsequente foi ponderado a 0,7. Se antes era atribuído 0,5 às duas primeiras crianças e 0,6 a partir da terceira, passou a ser atribuído 0,5 a cada criança.
A alteração, segundo o economista, poderá ter levado a "um aumento a artificial do rendimento da maioria dos agregados e à redução ou mesmo exclusão dos benefícios". Um casal com três filhos era elegível para o RSI, se tivesse até 8118 euros de rendimento. Com a reforma, passou para 7216 euros (menos 11%).
"A questão óbvia é por que se adoptou as escalas de equivalência da OCDE. Se a ideia era introduzir uma maior eficiência e eficácia nas políticas sociais, também deveria ter envolvido uma alteração nos valores limite para que o efeito orçamental fosse neutro." Só isso garantiria que "os beneficiários não sofressem reduções no seu rendimento ou fossem mesmo excluídos, devido a uma simples alteração de escala".
Mas para Carlos Farinha Rodrigues o objectivo era outro: "A alteração foi feita para manter o valor nominal dos principais benefícios" e isso "revela que o objectivo fundamental foi cortar custos, com perda na eficácia das medidas e melhorias negligenciáveis na sua eficiência". Aliás, essa meta estava em consonância com a quarta alteração: abolição de alguns benefícios suplementares. Um corte precisamente na altura em que "um aumento da insegurança social deveria conduzir a um aumento significativo da importância dessas políticas sociais".
O preâmbulo do decreto-lei era extenso na descrição das boas intenções, mas parco quanto aos efeitos. Apenas no início se referiu o quadro geral do Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013 que visaria "conter de forma sustentada o crescimento da despesa pública".
Fortes impactos
Carlos Farinha Rodrigues estimou os impactos dessas medidas com base nos valores de 2008. E anteviu uma quebra de 18% no número de beneficiários individuais e de 25% no das famílias, implicando um corte de 45% na despesa pública anual. Mais afectadas seriam todo o tipo de famílias com crianças (mais de metade do universo apoiado).
Os números - segundo o autor - devem ser encarados como "potenciais efeitos". Importa, sobretudo, detectar a direcção dos efeitos da reforma que ainda está em vigor. Mas os seus cálculos não estão longe da realidade. Com base nos valores oficiais dos últimos três anos, as quebras tanto de beneficiários como dos valores atribuídos foram reais (ver gráfico).
Só que estas quebras terão tido efeitos na eficácia no combate à pobreza. O poder de redução das desigualdades é "claramente reduzido depois das alterações". "Todos os índices mostram consideravelmente maiores reduções na igualdade". Contra a pobreza - cujo limiar é 60% do rendimento mediano antes de atribuído o RSI - a eficácia "é claramente menor". A incidência da pobreza aumenta (de 17,5% para 17,7%). E as maiores consequências surgem na intensidade e severidade da pobreza: as reduções passam de 29% para 17% e 56% para 40%.
Assim, segundo o autor, "os ganhos de eficiência" daqui resultantes "dificilmente justificam a forte redução na sua eficácia na redução da intensidade e severidade da pobreza". Algo que se torna bastante actual na actual fase de austeridade. "A actual crise económica e financeira impõe, sem dúvida, a necessidade de uma introdução mais rigorosa das políticas sociais", continua o autor, "mas também deveria implicar um reforço conjunto da eficiência e da eficácia."
No entanto, não é isso que se espera. A condição de recursos é para se manter com o actual Governo.